quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O mal do nosso século

Hoje vou fazer a prova teórica do Detran para renovação da carteira de motorista. Como sou compulsiva - ou competitiva? - li a apostila de trás para a frente e aprendi tudo de cor e salteado. Torçam por mim...

Ocorreu-me que, se no trânsito das grandes cidades brasileiras - e das menores também -, as pessoas observassem metade das prescrições do Código de Trânsito Brasileiro seria muito mais fácil a gente viver, sem a irritação cotidiana provocada pela imprudência e pela falta de solidariedade e de educação de muitos motoristas, motociclistas e pedestres.

Às vezes penso que o mal deste nosso século é o automóvel. Pelo dano ambiental que causa, pela energia que consome e pela posição que ocupa na escala de prioridades de consumo. Há pouco tempo o governo do DF anunciou com estardalhaço que Brasília atingira a marca de um milhão de carros nas ruas. Parecia algo para se comemorar e não para alertar sobre a insuficiência das vias de circulação e de estacionamentos para tanto carro. Não dá para ignorar que o trânsito da capital federal está cada vez pior.

É uma máquina que desperta paixões e instintos indesejáveis na maioria das pessoas. Quanto maior o carro, maior parece ser o poder de pressionar os outros veículos para que lhe dêem passagem. Quanto mais escuros os vidros, maior a desfaçatez do motorista para forçar os outros carros a facilitarem a ultrapassagem.

Na verdade, não se trata de um problema do automóvel, mas do consumismo inflado pela publicidade, que o transforma em objeto do desejo para as pessoas das diferentes classes sociais. E muitas vezes sugere que o carro é mais importante até do que as relações afetivas. Lembram-se da propaganda do novo Fox, da VW?



Com que habilidade a publicidade transforma um velhinho amoroso em um idiota que só tem olhos para o painel do carro! E com que naturalidade desconstrói a imagem de muitas respeitáveis vovozinhas: mesmo velhinhas, continuam enganando seus maridos...

Quando vejo essa imagem do carro na sala, penso em quantas pessoas passam pelo sentimento incômodo de, ao chegarem à noite, terem de deixar o carro na garagem, quando o que gostariam mesmo era de levá-lo para dentro de casa. E isso não acontece apenas com o carro. Na sociedade produtora de mercadorias, somos levados a dedicar às coisas os sentimentos que deveríamos dedicar unicamente às pessoas. O processo é sutil: humanização das mercadorias e coisificação das pessoas.

Daí as situações tão comuns na vida moderna: a menina bulímica recrutada pelo mercado da moda para atuar (sob o olhar orgulhoso da mãe) como "cabide ambulante" das roupas exibidas pelos estilistas nas semanas de moda mundo afora; a empregada doméstica que é "como se fosse da família" porque mora com os patrões, acorda mais cedo do que eles, trabalha mais de 8 horas, tem folga apenas a cada 15 dias; os milhares de peões que se aleijam ou morrem nos acidentes de trabalho, por culpa deles mesmos, pois são "descuidados" e não sabem usar o aparato de proteção, tão confortável no calor tropical. São numerosos os exemplos; você, leitor ou leitora, deve saber de alguns.

E daí também as inversões. Acostumadas a possuir as coisas que conseguem comprar, as pessoas tendem a transferir o sentimento de posse para suas relações afetivas. O outro ou outra passa a ser também propriedade. Taí o ciúme, que não nos deixa pensar o contrário. Matar alguém por não aceitar o fim de uma relação, por exemplo, é evidenciar o sentimento de posse e dominação. O processo de coisificaçao do outro ou outra penetra até nas estruturas do inconsciente, naturalizando o sentimento de posse de uma pessoa pela outra. É terrível!

Pensando bem, o mal do nosso século não é o automóvel. Ele é apenas uma uma parte concreta de um mal mais amplo, de escala planetária, sem o qual as economias capitalistas não sobrevivem: o consumismo.

6 comentários:

Unknown disse...

É isso mesmo, isso mesmo! E casa direitinho com a medicazinha daí debaixo. Ela acha que as pessoas são coisas, que o aeroporto é dela, que tudo ali é dela. Daí ela dá xilique quando é contrariada. Como tem gente assim hoje em dia. Será que vamos acabar consumindo-nos e uns aos outros???

Anônimo disse...

creddooooo bel o trem ta feio!!!!eu não tinha visto nada disso nos carros....será que sou navalha ou barbeiro?

Icthecat disse...

Bel,

Quanto mais bonito é o carro, mais mal educado é o motorista! Generalização rasa que se aplica a 99,9% dos casos.

Recomendo a leitura do blog do Tiago Benichio, jornalista paulista.

http://www.apocalipsemotorizado.net

Assim como assistir seu documentário

http://video.google.com/videoplay?docid=1608289607442109392#

bjo

Ícaro

Maíra Carvalho disse...

Adorei o texto, expressou muito bem meu sentimento com relação à sociedade de hoje... Especialmente a parte das empregadas e dos pedreiros.

Parabéns!

Mendigo disse...

muito bom!!

Juliana F Duarte disse...

Perfeito!! Consumismo leva à coisificação daquilo que temos de mais preciso: o SER humano.