Já escrevi aqui que o ciúme resulta do sentimento de posse, o qual, por sua vez, aparece na relação proprietário x coisa possuída.
Fiquei muito tocada com a notícia do assassinato de uma mulher em BH pelo ex-marido, inconformado com a separação. Todas as notícias de assassinatos passionais mexem muito comigo, pelo que esse crime contém da mais abjeta e extrema covardia. Em uma conversa telefônica gravada, o cara, cheio de ódio, disse a ela que não admitiria "perder minha casa". A mulher, trabalhadora em um salão de beleza, tinha denunciado o homem à polícia e pedido providências legais para que ele se afastasse dela, com base na Lei Maria da Penha. Foram registrados oito boletins de ocorrência e quase o mesmo número de intimações ao assassino.
De nada adiantou tudo isso: as medidas policiais foram insuficientes para preservar uma vida, pois a mulher foi covardemente morta a tiros dentro do salão de beleza. E teve sua morte registrada pelas câmeras de segurança que mandara instalar exatamente por medo do ex-marido. Vi nos noticiários da TV o rosto do borracheiro que não admitiu ser abandonado pela mulher. Seu semblante ainda enfurecido mostrava que ele não se arrependera do crime. E é isso o que mais incomoda nessa história.
Minas é pródiga em produzir assassinos de esposas e de amantes. A crônica policial mineira teve um Doca Street, playboy que, nos anos 70, matou a tiros a socialite Ângela Diniz, e teve muitos outros, menos famosos, também ricos ou mesmo pobres, que liquidaram mulheres, umas ricas e muitas pobres, das quais se julgavam proprietários.
Mas não se trata de uma peculiaridade apenas dos homens mineiros. Homicídios por motivos passionais são muito comuns no Brasil, onde vicejou a abominável tese jurídica da "legítima defesa da honra" para absolver esses assassinos.
Há, porém, uma questão abaixo da superfície dessas histórias de assassinatos por ciúmes. As motivações para o crime passam também pelo fator propriedade privada e pelo viés patrimonialista do capitalismo. Um divórcio sempre vem acompanhado da disputa pelos bens do casal e do pagamento de pensão para os filhos que, na maioria dos casos, passam a maior parte do tempo com a mãe do que com o pai. Não raro, o homem se acha injustiçado nessa partilha e tende a culpar a mulher pelo seu "prejuízo". Pior é pensar que não é mais dono do corpo feminino e que seus bens e seu dinheiro proporcionam à mulher a despreocupação com a sobrevivência, permitindo-lhe ter tempo livre para se relacionar com outros homens. Nos fins de semana, enquanto ele cuida das crianças. Idéia insuportável!
O slogan da campanha feminista contra o assassinato de mulheres, nos anos 70, era "Quem ama não mata". (esse slogan foi apropriado pela TV Globo nos anos 90 para dar título a uma minissérie cujo final - quem mata quem? - era decidido pelo público. Atenção: não havia a opção "ninguém mata ninguém"!) Mas, como acontece com todo slogan que surge no seio de um movimento legítimo de protesto, foi gradativamente sendo modificado, estendido para outros tipos de violência e teve seu conteúdo político inicial esvaziado.
Hoje, parece que os assassinatos de mulheres por seus ex-parceiros aumentaram. E já não causam a mesma comoção generalizada causada pelos assassinatos dos anos 70. A cabeleireira de BH não terá passeata com seu nome escrito em faixas, não motivará atos públicos e, provavelmente, passará de vítima a provocadora da própria morte, no discurso de um habilidoso advogado de defesa. E o borracheiro consegue o que queria: não perder sua casa.
Ah... o nome dela era Maria Islaine.
2 comentários:
Também me revoltam esses crimes. Acho o cúmulo da covardia. Homens são biologicamente mais fortes.
Bel sexta feira vc tem consulta marcada com psiquiatra....vc pediu pra te lembrar.
Postar um comentário