quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Casa de vó

Todas as crianças deveriam poder exercer a liberdade de serem crianças, fase que é vivida, na nossa sociedade, somente até o momento em que são levadas à escola pela primeira vez.

Digo isso porque há crianças que, antes de irem à escola e mesmo depois que atingem a idade escolar, são vítimas da necessidade que as obriga a trabalhar. Essas não podem, definitiva e irreversivelmente, exercer a liberdade de serem crianças, que lhes é inerente. Ela lhes é sonegada enquanto vivem a vida que lhes é permitido viver, em seu universo regido pelo signo da pobreza.

Cartaz do Ministério do Trabalho, da campanha contra o trabalho infantil

Se todas as crianças tivessem assegurados os direitos a uma vida plena, seria encantador ver em todas elas o exercício da liberdade. Esse encantamento, provavelmente, duraria apenas até o momento em que seu comportamento começa a ser moldado para que se transformem em cidadãos. É assim que a mídia denomina os consumidores de hoje e é nisso que serão transformadas as crianças após passarem pelo aparelho ideológico da escola: bons consumidores, bons leitores de rótulos.

Na escola elas aprendem a ler, a escrever e a fazer contas. Começam a conhecer o funcionamento do mundo, da natureza, da sociedade em que vivem. São, também, adestradas para se enquadrarem perfeitamente nos papéis que essa sociedade lhes reserva.


Enquadrar. Essa é a palavra para designar a função preponderante das instituições que frequentamos durante a vida. Na sociedade produtora de mercadorias, como a nossa, essa função é uma das que integram o processo pelo qual nos transformamos em coisas. E, como coisas, valemos tanto quanto somos capazes de consumir. Quanto mais temos, mais valemos. Assim somos vistos nas instituições que presidem nossas vidas: na escola, no trabalho, no culto religioso, no condomínio, na academia de ginástica, no trânsito...

Ainda bem que a educação tem dois gumes: ao mesmo tempo em que aliena e enquadra, pode fazer germinar, pelo conhecimento, a emancipação. Por isso nem sempre a escola, por si só, é eficaz para alienar. Ela pode ser, também, espaço para questionar a própria educação e a sociedade. É o que aprendemos com Paulo Freire.

Enquanto essas idéias me ocorrem, aguardo o momento em que acenarei para minha neta, que me vê à janela do apartamento, enquanto brinca no parquinho do jardim de infância. Ao me ver, lá de dentro do espaço escolar, ela sabe que aqui é um lugar onde pode exercer sua liberdade.

Um comentário:

Luciana disse...

Perfeitas palavras. E que sorte dessa sua netinha, pela oportunidade de exercer sua liberdade e por ter sempre essa vovó maravilhosa por perto!

Beijos!