Hoje deixei de lado minhas leituras e escrituras, ando meio cansada de pesquisar a violência estrutural do Brasil na Literatura. Precisava de um tempo.
Foi por isso que trouxe as meninas para cá. Sofia e Laura me animam, colocam sorrisos em meu rosto, arrancam gargalhadas do meu peito.
Sofia já está crescida e às voltas com seu desafio atual: dominar os jogos na internet. Passa horas jogando, chamando "Vó, vem ver que legal!". E eu vou e curto com ela alguns clássicos dos games, especialmente o Mário Bros. e o Sonic.
Mas se invento de a gente fazer pão-de-queijo juntas, lá vem elas me ajudar. Sofia quebra os ovos e Laura fica esperando que eu termine de sovar a massa para ajudar a fazer as bolinhas. Ainda está aprendendo a falar, mas domina bem os diminutivos e repete sempre a última sílaba da última palavra das perguntas que a gente faz. "Você quer dormir?" E ela: "Mi". "Você comeu?" Ela: "Meu". "Vamos passear?" "Siá".
Lindinhas demais, essas meninas.
Às vezes fico a pensar em como seria minha vida se elas não existissem. Com suas vidinhas ainda tão breves preencheram intensamente um espaço na vida de minhas já preguiçosas retinas. Se a mãe delas tivesse ido para o exterior; se não tivesse conhecido o marido, se eu não morasse em Brasília... Se, se, se... Mas é tão intensa essa presença que já não é mais possível imaginar como teria sido a vida sem elas. Nessas tentativas a gente vê que o "se" não vale nada, mesmo. O que vale é o que é, não o que poderia ter sido nem o que parece ser.
Às vezes são elas que me educam.
"Vó, você tá desperdiçando a água do planeta."
Matar uma maria-fedida que entra no apartamento? Nem pensar.
"Tem que pegar a bichinha com um papel e devolver pra natureza, vó!"
Aí chega minha vez de educar.
"Vó, pra onde a gente vai quando morre?"
"Ah, a gente é devolvida pra natureza, querida!"
"É? A gente vira terra?"
"Melhor: a gente vira adubo para as plantas."
"Legal!"
Aos seis anos, esse é um diálogo possível. E honesto. Nada de virar estrelinha, nada de ir para um lugar maravilhoso chamado céu. Simples assim: adubo. Quer coisa melhor?
Levo-as para visitar nosso vizinho Davi, de um ano e três meses. Laura abraça e beija com tanta força o menino que o derruba para trás e cai por cima. Não choram, pelo contrário, dão risada com o tombo. Depois ela lhe tira da mão uma argola que ele levava à boca, dizendo algo como "Sujo!". Chuta a bola colorida e grita "Gol". E chama: "Maninha". Quando a mana atende, não quer nada, já esqueceu que chamou, distraída com os brinquedos e o menininho.
Dou risada durante todo o tempo em que estou com elas. Esqueço a violência estrutural apreendida pela Literatura, nas obras que vem desde Os sertões.
Mas sei que, enquanto curto esse presente que a vida me deu, ela, a violência, continua lá fora...
Um comentário:
Ai que delicia de menininhas, Bel... Minha mae é que não pode ler esse seu post, sabe... Fiquei pensando nela.
Beijos, querida,
Lu e Nic
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