Leio na Falha, ops!, Folha de S. Paulo que o governo está recuando na redação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH. Serão modificados três pontos, considerados "críticos" (você pode ler a matéria aqui).
A gente pensa que as mudanças se farão porque houve ampla discussão com todos os segmentos e movimentos sociais. Mas não: duas delas são resultado de pressões da igreja católica. A outra se deve à gritaria do setor mais atrasado da economia brasileira, o latifúndio.
Pois então. A descriminalização do aborto é propositalmente confundida pela mafiomídia e pela igreja com a "liberação" do aborto. Qualquer tentativa de tratar o problema como sendo de saúde pública resulta em alarido da mídia conservadora, ecoando bispos daqui e dali.
O mesmo ocorre com os símbolos religiosos em espaços dos serviços públicos: hospitais, escolas, tribunais e demais instituições públicas, que servem a fiéis de todas as crenças assim como a infiéis, ateus e agnósticos, continuarão impondo a visão da imagem católica a alunos em salas de aula, a doentes em quartos e enfermarias, a servidores públicos de diferentes religiões.
A outra instituição secular que força a mudança no PNDH é o latifúndio. Sim, no Brasil essa forma pré-capitalista de posse da terra constitui uma força institucional. Não importa que a função social da propriedade esteja prevista na no artigo 170 da Constituição Brasileira.
Importa, em última instância, preservar as grandes extensões de terra, muitas vezes improdutivas, concentradas nas mãos de uma minoria. Enquanto isso, agravam-se as tensões da luta pela terra, com nítida desvantagem para os movimentos sociais, contra os quais a mafiomídia e o poder judiciário exercem o papel de fiéis cães de guarda da propriedade, com fúria de pitbul.
Mas. Sempre tem um "mas". Se você for exigir discussão, denúncia e punição para os casos de pedofilia e abusos sexuais praticados por membros da secular igreja, conseguirá no máximo reportagens superficiais, nada de cobranças e um judiciário apático. Da mesma forma, se quiser apurar denúncias de grilagem de terras por conhecidos latifundiários, baterá contra uma rede de proteção, um silêncio obsequioso, uma canina cumplicidade de jornais, tevês e revistas.
É o que digo: essa balança dos direitos humanos, igual àquela da velha senhora de olhos vendados, pende sempre para o lado do capital. A tal igreja católica também tem pendido, historicamente, para o lado do poder e do dinheiro.
Pensando hipoteticamente, se algum dia houver quebra da hegemonia da igreja católica, será que outras religiões não assumirão o mesmo papel? Claro que sim. Essa é uma disputa por poder que se desenrola dentro da história do capitalismo. Terra, dinheiro, imagens, símbolos. Tudo isso tem apenas uma finalidade: manter o status quo. E disseminar o preconceito de que direitos humanos são "coisa de bandido", como diz um certo Fraga, em Brasília.
E os direitos da maioria? Que direitos? Ora, os direitos!
3 comentários:
Agora pensa o escândalo se colocar uma estátua de Buda numa escola, uma imagem de Shiva num tribunal, uma estrela de Davi nas enfermarias, um yin-yang nas Prefeituras...
E a polêmica dem torno da descriminalização do aborto é mais um exemplo de ignorância! Nem tudo que é moralmente considerado errado é crime, fosse assim o adultério deveria continuar sendo crime, e seriam muito mais raras as pessoas sem antecedentes criminais.
E claro que, na balança dos direitos, os que vivem à margem da sociedade por absoluta falta de oportunidade de fazer parte dela são pintados com tintas de vilões. Estampados com pinta de guerrilheiros, assassinos, bandidos nas capas de publicações vergonhosas.
Infelizmente, a luta pela manutenção do poder e do dinheiro encontra sempre fortes aliados, seja entre os abutres interesseiros, seja no meio de um povo ignorante...
Triste.
A questão agrária é também urbana. Basta visitar a periferia das grandes cidades e verificar a origem dos que vivem na penúria e das migalhas, num espaço que não oferece trabalho nem condições de vida dignas. Apesar dos inegáveis avanços do Governo Lula, o primeiro da redemocratização que teve uma política pública de inclusão social, o Brasil continua sendo um país injusto para a maioria da sua população e detentor de um dos piores índices de concentração de renda do mundo moderno.
Não é possível falar em direitos humanos sem enfocar a questão da desigualdade. É chocante constatar que cidadãos que compartilham o mesmo espaço urbano tenham níveis tão diferenciados de bem estar, renda,riqueza, oportunidades e acesso a moradia, saneamento,saúde e educação. A propósito, acabo de ler no jornal Estado de Minas: "O abismo que separa pobres e ricos encontra limites bem definidos no Brasil. Estão no país quatro das 15 cidades com maior desigualdade social do mundo: Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília e Curitiba. As campeãs das diferenças são Buffalo City, Johannesburgo e Ekurhuleni, na África do Sul. Entre os países da América Latina, é do Brasil também o título de nação mais desigual. Os dados são do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), “Estado das cidades do mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido”.
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