Sonhei que acordava no dia 4 de outubro e, como todas as manhãs, me sentava em frente ao computador para ler as notícias. Queria saber o resultado das eleições.
Estava feliz pelo fato de o Brasil ter, pela primeira vez, uma mulher na presidência. Garantia de continuidade das políticas implementadas em dois mandatos daquele que, nos últimos quatro meses antes da eleição de 3 de outubro, fora simplesmente "desaparecido" do jornal noturno da grande rede de tv.
Mas o apagamento da imagem e dos discursos do antecessor não foi suficiente para apagá-lo da memória dos cidadãos, porque eu estava acordando em uma manhã feliz do primeiro dia do início de uma nova história.
No DF continuava a disputa. Ia ter segundo turno para que a população escolhesse entre o gangster e o médico. Mas uma coisa de bom aconteceu: todos os envolvidos nos escândalos que derrubaram o governador anterior foram varridos do mapa político da cidade. E o ex-governador que tinha nome de uma plantinha malcheirosa também havia sumido...
Fui olhar o mapa. Primeiro, no Maranhão, tive a alegria de ver que nenhum membro de uma antiga oligarquia local foi eleito. No Amapá, onde há um braço dessa oligarquia mofada, também não. São Luís estava em festa, muitas bandeiras vermelhas compunham a multidão nas ruas.
Pulei dali para o Piauí. Bom demais ver que um certo senhor bochechudo, defensor incansável de certo banqueiro dos olhos azuis, estava sem mandato. Será que os piauienses perceberam que o tal usava o mandato que lhe fora concedido pelo povo para defender interesses antipovo?
De mesma forma, um certo senador do mesmo estado, que se notabilizou por discursos nada santos de crítica ao presidente "apagado" pela mídia, também fora varrido sem dó nem piedade.
No Amazonas, bati palmas de satisfação com a varrição de um truculento boxeador que representava os amazonenses no senado. O carinha ainda tentou pular do barco que naufragava, como rato, mas não logrou enganar o povo ao tentar colar sua imagem na do governante que ofendera profundamente quando na oposição.
Em Pernambuco, foi um banho. Estavam definitivamente fora do baralho as cartas marcadas de políticos tradicionais: um muito alto e magro, caladinho, que foi vice no tempo em que o Brasil foi vendido para os estrangeiros; outro, ex-comunista direitoso que apoiou o golpe militar em Honduras.
Nas Alagoas do grande Graça, o povo soube dizer não a um colorido e violento candidato que ficou famoso por apregoar aos quatro ventos a cor de seus testículos, antes de ser expulso da presidência do país. Também foi escafedido um certo ex-governador que sucateou vergonhosamente a educação e se valia da memória do pai para angariar votos.
Eita, que esse sonho está bom demais! Voei para São Paulo e - oh surpresa! Os paulistas deram uma banana ao picolé de chuchu, contra todas as pesquisas!!! Inacreditável! Foi a remissão desse povo que passou 16 anos sob o jugo da direita mais empedernida. De quebra, espirraram vários políticos profissionais, daqueles que compõem a tradição de roubalheira e da corrupção no país. Admirável o povo de São Paulo, nossa!
Corri ao Paraná e o que vi causou-me alegre espanto: o quase-vice campeão-do-botox-com-implante-de-cabelos ficou de fora! Incrível!
Mas o que andou acontecendo no Brasil? Ah, tenho que correr os olhos pelas notícias de todos os estados!... Por um instante imaginei o país com novas figuras na política, com a velharia recolhida, tentando conspirar nos clubes militares, nas academias de letras, nos iates-clubes, no lions e no rotary, nas lojas maçônicas, nas associações de aposentados, nos clubes de crochê e tricô e nos bailes da terceira idade, sem sucesso.
Nesse momento, a risada que larguei no ar foi tão alta, que me acordou. Não pude terminar a viagem pelas notícias do país. Olhei em volta, decepcionada. Noite fechada, silêncio pesado. Amanhã me levantarei para lidar, mais uma vez, com toda a manipulação da mídia em favor de seus candidatos e, invariavelmente, contra o Brasil.
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