sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Democracia, essa palavra!"


Sinceramente, acho uma forçação de barra a aproximação que alguns conhecidos tem feito entre a ditadura egípcia e a cubana. Ao contrário do que fazem com Cuba, ninguém descia a lenha no governo egípcio antes de o povo do Egito se mobilizar para derrubar o ditador. Por que? Ora, por que... Simplesmente se tratava de uma ditadura pró-EUA e pró-Israel. Ou seja, na geopolítica mundial, o Egito é um estado estratégico para esses dois países no Oriente Médio.

As novas gerações talvez não saibam - e muitos das velhas gerações talvez tenham convenientemente se esquecido disso - mas a história recente do Egito é uma história de golpes e cooptação. O tal Mubarak estava no poder desde 7 de outubro de 1981, ou seja, tomou o governo um dia depois do assassinato do presidente Anwar El-Sadat durante um desfile militar. O ditador consolidou um governo subserviente ao ocidente e implementou as mesmas medidas econômicas adotadas pelos países subdesenvolvidos durante os anos 90, de orientação neoliberal. O empobrecimento da população foi progressivo, embora o governo recebesse grande aporte de recursos ocidentais.

Hoje se sabe que quem saiu rico dessa história recente foi Mubarak, com gorda conta bancária na Suíça, dinheiro afanado de seu próprio povo, durante um dos governos mais corruptos do planeta. Agora resta esperar o fim da festa para vermos como vai se dar a composição inicial da nascente democracia egípcia. E torcer para que a onda de levantes populares atinja outras ditaduras da região - Oriente Médio e África - todas elas alinhadas com as potências ocidentais.

Eis o que me intriga. Não se criticam os regimes da Síria (ditadura militar desde 1970), da Líbia (ditadura militar desde 1969), Arábia Saudita (monarquia absoluta desde 1992), sem falar nos sultanatos que proliferam por ali, servidos por grande número de miseráveis. Também não se criticam as ditaduras de países africanos, como o Sudão (ditadura militar desde 1989) e a Mauritânia (ditadura militar desde 1984), ou as asiáticas. Não se cobra com a mesma ênfase o respeito aos direitos humanos nesses países, não se critica a falta de liberdade de expressão, mesmo sabendo que a internet é censurada na Líbia há três anos.

- "Ditadura é ditadura, não importa se de direita ou de esquerda" - é o que ouço sempre. E concordo. O que não dá para concordar é com os pesos diferentes para fazer o julgamento desta ou daquela ditadura. A imprensa ocidental ficou 30 anos quietinha em relaçao ao Egito. E continua calada em relação a outras ditaduras. A China, por exemplo, deixou de ser cobrada por desrespeitar os direitos humanos depois que seu governante anunciou a intenção de incrementar o comércio bilateral com os EUA... Melhor exportar 200 aeronaves do que exigir que o governo chinês liberte dissidentes, não? Como num passe de mágica, a ditadura chinesa praticamente se tornou invisível nos noticiários, depois disso. Como diriam os branquelos do norte, "it's capitalism, stupid!"

Resta lembrar que prender pessoas sem direito a julgamento justo não é exclusividade das ditaduras, mas ocorre também na mais propalada democracia do mundo, que são os EUA. Guantánamo é a prova de que os direitos humanos são desrespeitados também pela grande nação americana. Nem se fale em Abu-Graib ou na prisão militar onde está sob "interrogatório", sem direito a advogado de defesa, o acusado de vazar informações para o site Wikileaks.

Que tal a gente começar a pensar nos movimentos midiáticos que nos induzem a classificar este ou aquele país como uma ditadura? Só pra começar a exercer nossa independência intelectual...

Um comentário:

Oksana disse...

Excelente análise, Bel. Outra coisa que me intriga é que, embora todos os atos de corrupção de Mubarak tenham passado ilesos pela cobertura midiática, os EUA agora estão revoltados com a terrível "provocação" do ditador, ao afirmar que nenhum outro país definirá o destino do Egito.
Ou seja, enquanto a lógica da subserviência permanece vigente, pode-se fazer o que bem entende, a despeito dos direitos humanos. Porém, uma vez mudado esse cenário, a simples afirmação da soberania de um povo é vista como inaceitável provocação aos dirigentes do mundo...
Parece piada, eu até riria se não fosse tão triste a situação de quem está sempre sujeito aos desmandos dos homens do poder: o povo. :(