sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Brasília e as máfias políticas

Os acontecimentos recentes na vida política do Distrito Federal são assombrosos. Em 24 horas uma CPI da Câmara Legislativa foi desinstalada e reinstalada. Manobras inacreditáveis são executadas pelo grupo ligado ao governador Arruda, enquanto o presidente afastado da CLDF, Prudente-do-dinheiro-na-meia, recorre ao STF para permanecer no cargo e garantir, assim, autoridade para continuar manobrando contra a apuração dos crimes da quadrilha.

O grande medo é que no depoimento de Durval Barbosa, o ex-secretário que entregou a rapadura à PF, novas informações e/ou novos vídeos venham a público. Essa turma tem muito o que esconder, para além, muito além daquilo que já foi divulgado na mídia.

Eu acho que já disse neste espaço como vejo o problema da criminalidade nos meios políticos do DF. Isso não é de hoje, vem de muito tempo. Quando não havia autonomia política e o governador daqui era indicado - o último dos "biônicos" foi Roriz, indicado por Sarney - a farra também era comum. Grilagem de terras públicas era corriqueiro, desvio dos recursos repassados pela União também. A corrupção aqui é antiga, só que jamais houve apuração de coisa alguma.

Com a autonomia, os métodos se sofisticaram. O crime organizado foi estabelecendo seus asseclas no Judiciário local (aqui se sabe à boca pequena de muitos juízes, desembargadores e outros togados que tem casas em condomínios e loteamentos irregulares), na Câmara (Pasmem: o famoso Pedro Passos, indiciado por grilagem de terras públicas e estelionato, eleito deputado distrital, foi presidir a comissão de assuntos fundiários da Casa!) e, claro, no Executivo, muito bem aparelhado pelos mafiosos.

De máfia em máfia, descendo os diversos níveis da "escala do trabalho", como diria o Bóris Casoy, os quadrilheiros foram se estabelecendo: tem os do ramo imobiliário, de construções e incorporações (cujo principal capo é Paulo Octávio, junto com outros famosos empreiteiros e incorporadores), tem os da grilagem e venda de terras públicas da União e/ou do GDF, aplicando o manjadíssimo golpe de lotear, construir, ocupar e reclamar pela regularização dos condomínios rurais; tem os do transporte público, que, por sinal, é o mais caro e o pior do Brasil e cujo domínio garante o monopólio de todas as linhas; tem os da área de segurança, que vendem serviços para os órgãos públicos, desobrigando o efetivo policial do DF de fazer esse trabalho, para que seus integrantes possam se transformar em deputados distritais (duvida? conte quantos deles são oriundos da polícia civil e/ou militar...)

Essas máfias "do alto" se desdobram em várias máfias mais embaixo: de onde surgiu o deputado Batista das cooperativas? Aqui tem cooperativas habitacionais como as de Águas Claras, cooperativas de transporte-pirata e qual mais? A qual escândalo de venda de imóveis em Águas Claras você pensa que este cara está ligado? Tem também a máfia dos cemitérios, cuja representante é Eliana Pedrosa, recentemente exonerada por Arruda do cargo de secretária do Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (pergunto eu: renda de quem para quem? Irônico, não?) para voltar aos afazeres de deputada distrital da base governista e ajudar a impedir as investigações da CPI...

Estão vendo? Todos eles, se a gente for escarafunchar, tem participação em alguma máfia "do topo" ou "da base" da "escala do trabalho". Alírio Neto, delegado da polícia civil que tentou ontem desinstalar a CPI, vai às barras da comissão de ética do "ético" PPS de Augusto Carvalho e Roberto Freire. Imaginem... O vice-governador, Paulo Octávio, declarou ontem o apoio do diretório regional do também "ético" DEM a Arruda, provocando a ira de Ronaldo Caiado, logo amansado por Rodrigo Maia, que quer deixar para abril a decisão da executiva nacional do partido - pune ou não pune? Até abril, ele certamente espera que tudo tenha esfriado.

Como você vê, são todos anjos e todos muito "éticos". A gente é que os avalia pela nossa moral "torta". E não dá para entender por que o povo de Brasília, com exceção dos bravos estudantes, anda tão apático quanto a esse escândalo.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O mal do nosso século

Hoje vou fazer a prova teórica do Detran para renovação da carteira de motorista. Como sou compulsiva - ou competitiva? - li a apostila de trás para a frente e aprendi tudo de cor e salteado. Torçam por mim...

Ocorreu-me que, se no trânsito das grandes cidades brasileiras - e das menores também -, as pessoas observassem metade das prescrições do Código de Trânsito Brasileiro seria muito mais fácil a gente viver, sem a irritação cotidiana provocada pela imprudência e pela falta de solidariedade e de educação de muitos motoristas, motociclistas e pedestres.

Às vezes penso que o mal deste nosso século é o automóvel. Pelo dano ambiental que causa, pela energia que consome e pela posição que ocupa na escala de prioridades de consumo. Há pouco tempo o governo do DF anunciou com estardalhaço que Brasília atingira a marca de um milhão de carros nas ruas. Parecia algo para se comemorar e não para alertar sobre a insuficiência das vias de circulação e de estacionamentos para tanto carro. Não dá para ignorar que o trânsito da capital federal está cada vez pior.

É uma máquina que desperta paixões e instintos indesejáveis na maioria das pessoas. Quanto maior o carro, maior parece ser o poder de pressionar os outros veículos para que lhe dêem passagem. Quanto mais escuros os vidros, maior a desfaçatez do motorista para forçar os outros carros a facilitarem a ultrapassagem.

Na verdade, não se trata de um problema do automóvel, mas do consumismo inflado pela publicidade, que o transforma em objeto do desejo para as pessoas das diferentes classes sociais. E muitas vezes sugere que o carro é mais importante até do que as relações afetivas. Lembram-se da propaganda do novo Fox, da VW?



Com que habilidade a publicidade transforma um velhinho amoroso em um idiota que só tem olhos para o painel do carro! E com que naturalidade desconstrói a imagem de muitas respeitáveis vovozinhas: mesmo velhinhas, continuam enganando seus maridos...

Quando vejo essa imagem do carro na sala, penso em quantas pessoas passam pelo sentimento incômodo de, ao chegarem à noite, terem de deixar o carro na garagem, quando o que gostariam mesmo era de levá-lo para dentro de casa. E isso não acontece apenas com o carro. Na sociedade produtora de mercadorias, somos levados a dedicar às coisas os sentimentos que deveríamos dedicar unicamente às pessoas. O processo é sutil: humanização das mercadorias e coisificação das pessoas.

Daí as situações tão comuns na vida moderna: a menina bulímica recrutada pelo mercado da moda para atuar (sob o olhar orgulhoso da mãe) como "cabide ambulante" das roupas exibidas pelos estilistas nas semanas de moda mundo afora; a empregada doméstica que é "como se fosse da família" porque mora com os patrões, acorda mais cedo do que eles, trabalha mais de 8 horas, tem folga apenas a cada 15 dias; os milhares de peões que se aleijam ou morrem nos acidentes de trabalho, por culpa deles mesmos, pois são "descuidados" e não sabem usar o aparato de proteção, tão confortável no calor tropical. São numerosos os exemplos; você, leitor ou leitora, deve saber de alguns.

E daí também as inversões. Acostumadas a possuir as coisas que conseguem comprar, as pessoas tendem a transferir o sentimento de posse para suas relações afetivas. O outro ou outra passa a ser também propriedade. Taí o ciúme, que não nos deixa pensar o contrário. Matar alguém por não aceitar o fim de uma relação, por exemplo, é evidenciar o sentimento de posse e dominação. O processo de coisificaçao do outro ou outra penetra até nas estruturas do inconsciente, naturalizando o sentimento de posse de uma pessoa pela outra. É terrível!

Pensando bem, o mal do nosso século não é o automóvel. Ele é apenas uma uma parte concreta de um mal mais amplo, de escala planetária, sem o qual as economias capitalistas não sobrevivem: o consumismo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Cenas de racismo explícito

Esta semana assisti ao vídeo da médica sergipana que agrediu verbalmente, com expressões racistas, um funcionário de empresa aérea no aeroporto de Aracaju. Caso queira, veja também:



As matérias subsequentes nas emissoras de TV locais tenderam, todas, a dar espaço ao jovem casal para se lamentar pelo ocorrido, porque, com a publicidade do caso, a médica passou a sofrer ameaças e estava emocionalmente abalada, sem sair de casa. O marido deu entrevista e, depois, a própria autora da agressão: "Eu estava sob muito estresse, os preparativos do casamento exigiram demais de mim, foi um momento de explosão" etc etc etc.

Lamentável a tendência a descriminalizar os casos flagrantes de agressões racistas. Desde o delegado que, sem fazer Boletim de Ocorrência, recebeu a queixa, ouviu os dois lados e concluiu por insuficiência de provas de crime de racismo; até a delegada especializada em grupos vulneráveis, que justificou a atitude do colega; passando pelos meios de comunicação, que mostraram o "radicalismo" do jovem agredido ao recusar o pedido de desculpas da médica. Não faltaram entrevistas com "populares", inclusive negros, dizendo que era preciso "saber perdoar".

Fico a pensar por que é tão difícil, no Brasil, identificar na sociedade sinais de superação da mentalidade escravista. As imagens da médica esbravejando contra o negro me lembraram cenas descritas em romances românticos, da sinhazinha mimada se recusando a ser contrariada e descarregando toda a sua frustração raivosa no escravo da fazenda. Tivesse ela uma chibata, sei não...

É muito raro que uma cena dessas, mesmo com todas as evidências gravadas em vídeo, resulte em uma prisão em flagrante pelo crime inafiançável de racismo. Logo começa a se movimentar uma engrenagem complexa, dedicada a minimizar o racismo, a justificar a atitude do acusado e, assim, descaracterizar o crime.

Nesses tempos em que está em pauta o 3° Plano Nacional de Direitos Humanos, é sintomático que uma sinhazinha seja flagrada em crime e, depois, haja tanto esmero em fazer com que se safe da acusação. É assim também com outros tipos de crimes cometidos por quem tem dinheiro e usufrui de prestígio nessa sociedade. Não se fala das terras griladas pelos latifundiários, como, por exemplo, a senadora Kátia Abreu. Mas se fala com estardalhaço oposicionista das terras invadidas pelos movimentos de trabalhadores do campo ou da demarcação de reservas indígenas de cujas terras o latifúndio se apropriou.

Não se fala dos crimes do colarinho branco, muitos deles já apurados por operações como a Satiagraha, Anaconda, Castelo de Areia e Caixa de Pandora (ai, adoro esses nomes! acho a Polícia Federal muito criativa na denominação das operações contra o crime organizado - dos ricos!), mas há muito destaque para "palavrões" e escorregadelas do presidente operário ou da candidata a sua sucessão, que já teve até ficha da polícia política falsificada pela Falha, ops!
Folha de S. Paulo.

O que me desola e dilacera é ver que o povo ainda embarca nas empulhações da classe rica e das instituições que servem aos ricos e poderosos (religião e educação entre elas). Essa "cultura do perdão" é um exemplo: vale para quando é um trabalhador negro o ofendido, esse tem de perdoar.

É por isso que o governador do DF - cada vez menos governador e cada vez mais chefe de quadrilha - fez discurso dizendo que perdoa seus acusadores, porque também quer ser perdoado. Vai ver a gente tem obrigação de perdoar o pulha!

Todo estado de espírito tem seu poema...



A hora do cansaço
Carlos Drummond de Andrade - 1984 - CORPO

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Cerveja de milho???

Sempre que viajamos, Gilson e eu aproveitamos que as cervejas dos países que visitamos são muito melhores do que as brasileiras. Mas a gente não comenta muito isso, porque até parece esnobismo, principalmente se for no momento em que estamos numa mesa de bar com os amigos.

Agora vejam. Tomamos conhecimento de um artigo do Prof. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, intitulado
Cerveja: bebendo gato por lebre (FSP, 18/12/2009, Tendências/Debates - clique aqui para ler).

Para além do escândalo da formação de um monopólio descarado com a fusão da Brahma e da Antártica, ele nos informa da utilização da expressão "cereais maltados" para disfarçar o uso do milho, na proporção de quase três quartos dos cereais que entram na composição da cerveja fabricada no Brasil.

A gente sabe que em outros países o regulamento para a produção de cervejas admite como ingredientes apenas a cevada, o lúpulo e a água. Segundo o autor do artigo, o termo "malte" designa somente a cevada germinada. Mas aqui as fábricas espertinhas usam o termo para qualquer cereal mais barato que a cevada.

No mesmo espaço da Falha, ops!, Folha de SP, saiu o contraditório, assinado por Silvio Luiz Reichert, assim identificado: "químico, mestre cervejeiro pela Doemens Fachakademie, da Alemanha, é vice-presidente de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico da Anheuser-Busch Inbev". (Quer ler? Clique aqui.)

Junto, outro artigo do Cerqueira Leite, reafirmando o que dissera no primeiro e ainda mostrando que, nos rótulos das garrafas das grandes marcas nacionais de cerveja, há as expressões: "antioxidante INS 315" e "estabilizante INS 405". Mau sinal! Se nossas cervejas precisam desses produtos químicos, é porque sua fabricação não é mesmo honesta.

Mas até isso é fraudado no Brasil? Que coisa! Como disse o Gilson:

- Se houvesse honestidade, no rótulo estaria escrito "cerveja de milho". Uma sugestão de marca para esta cerveja falsificada seria "Maisveja!", com toda a ambiguidade da frase: mais de milho e veja de abra os olhos que está sendo enganado.

Além disso, um teste cego realizado pelo DataFolha (está na Falha, ops! Folhaonline de 26/11) com cinco marcas de cerveja resultou em que os degustadores não conseguiram identificar nenhuma das marcas, pois são todas iguais. Devem ser feitas do mesmo milho, não?

Cervejeiros e cervejeiras, uni-vos! Ou a gente vai continuar tomando cerveja de milho, com conservante e estabilizante? Argh...