sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A pedagogia do turismo

De volta a Brasília, depois de exatos 58 dias fora do Brasil, curto a delícia de estar em casa, novamente senhora do meu ambiente, completamente livre da sensação incômoda de estar incomodando alguém ou de estar em ambientes diferentes, quando não totalmente estranhos.

A viagem foi muito boa. O tempo maior de permanência em Paris teve razão afetivo-familiar. O giro por Portugal e Espanha foi divertido, relaxante e - como direi? - pedagógico.

A gente aprende muito quando anda por outras plagas. Aprende a reconhecer a alteridade e os limites da diversidade, que não é pequena, mas é restrita, se é que me entendem. A cada vez que vou à Europa, percebo o aumento do número de migrantes, que intensifica o colorido de roupas e peles nas ruas das metrópoles. É uma diversidade festejada, comemorada, mas, ao mesmo tempo, com "cada um no seu quadrado". Uma coisa é diversidade, mas daí a se falar em miscigenação vai distância grande.

A diversidade em Paris, nas comemorações do 14 de julho

Chegamos a Portugal na semana em que os noticiários alarmavam a população com a crise econômica. Em decorrência da crise grega, os bancos portugueses, que haviam emprestado muito dinheiro ao governo grego, viram-se ameaçados. E retraíram o crédito em Portugal. O noticiário falava insistentemente na reunião de uma certa "troica", que ocorreria na Bélgica, para cuidar da crise portuguesa. Descubro que a "troica" era, na verdade, formada pelos representantes do FMI, Banco Mundial e Banco Central Europeu.

Dessa reunião participaram também a primeira-ministra da Alemanha e o presidente francês. Decidiu-se pela injeção de alguns bilhões de euros na economia portuguesa, mas com as devidas contrapartidas, pelo governo português, de redução dos gastos do estado - e consequentemente de seu papel regulador das atividades econômicas. Era a velha cartilha neoliberal, imposta sempre que um país endividado ameaça calote.

Após essa solução, diziam os noticiários que os portugueses podiam respirar aliviados, porque o estado saberia gerir a crise com os recursos liberados pela União Europeia. Eis que então os banqueiros saem da moita e vão a público cobrar do governo português que saldasse seus débitos, se quisesse garantir a volta da oferta de crédito. Chantagem pura e simples, via meios de comunicação. Mas os portugueses, ao que parece, já respiravam aliviados. De férias, nas praias.


Depois de curtir quatro dias em Lisboa e três no Porto, rumamos para a Espanha. Uma viagem muito interessante, de ônibus, até Madri, observando as mudanças na paisagem enquanto adentrávamos mais e mais a península ibérica. Extensas plantações de oliveiras às vezes tornam monótona a vista.

Também a Espanha começava a se preocupar com o rebote da crise grega sobre sua economia. As medidas propostas pelo governo eram as mesmas do receituário português: corte de gastos públicos, aumento de idade para aposentadoria, redução de gastos com benefícios sociais etc.

O campo devastado do interior da Espanha

Ficou claro que o tratamento recebido pelos dois países nas reuniões dos organismos financeiros da Comunidade Européia deve-se a que se trata de duas economias periféricas na Europa. Impressionou-me o porte autoritário da primeira-ministra alemã e a desenvoltura do presidente francês, servilmente ladeados pelo pândego primeiro-ministro da Itália, também ele às voltas com a falência iminente do estado.

As imagens eram claras: no jogo de forças em que se debate a União Europeia, o poder está com a Alemanha e a França. Esses dois países coordenaram as reuniões que discutiam a crise econômica e deram solenemente seu aval para as propostas de empréstimos aos primos pobres. Poder: essa é a palavra.

O mundo assiste à desintegração do dólar, ameaçando pela primeira vez em décadas a hegemonia americana. A União Europeia tem de cuidar para que não seja abalada pela crise, sob pena de também ter sua hegemonia ameaçada. Cuidar-se significa socorrer os países em processo falimentar e tentar manter uma unidade econômica para não sucumbir às crises cíclicas do capitalismo. Mesmo que para isso os países da periferia europeia tenham de abrir mão de sua soberania.

Barcelona: a rebeldia no ar

Em tempo, um recado a alguns portugueses de Lisboa que deixaram claro, por atitudes, que não gostam de brasileiros: o Brasil de hoje - e os brasileiros que para aí vão, em busca de oportunidades - é aquilo que Portugal, como nação que protagonizou a expansão do capitalismo europeu, foi capaz de produzir. Sorry!