sexta-feira, 1 de abril de 2011

Uma perda: o mundo sem o Prof. João Rios


Hoje eu soube da morte de um querido professor de Araxá, João Rios. A notícia chegou no momento em que saía em viagem. Sob forte emoção, antes de pegar a estrada, fomos, meu irmão e eu, dois ex-alunos, prestar-lhe a última homenagem e abraçar a esposa.

Desde a semana passada me ocorrera fazer a ele uma visita, infelizmente não concretizada. Profundo arrependimento me incomoda por não tê-lo encontrado antes do enfarte que lhe tirou a vida e privou o mundo de um intelectual cuja importância em minha formação é incomensurável.

Estive com o Prof. João por duas vezes, ano passado. A primeira foi para uma conversa agradabilíssima sobre meu primeiro livro, Graciliano Ramos, um escritor personagem. A segunda, para presenteá-lo com outro, que escrevi em coautoria com dois colegas/amigos, Catálogo de benefícios: o significado de uma homenagem, também em torno de Graciliano Ramos. Nessa ocasião, a promessa de voltar para uma terceira visita, adiada por motivos diversos, e agora definitivamente impossível...

Se há alguém que posso chamar de "meu tipo inesquecível", é João Rios. Estudei com ele dois anos seguidos, nos tempos do antigo ginasial. Era professor de língua portuguesa e iniciou-me na literatura brasileira. A cada início de ano, passava-nos uma lista de 10 livros de autores brasileiros, de diferentes períodos, todos disponíveis na biblioteca pública. A gente ia lendo e ficava esperando o dia em que ele "cobraria" a leitura, mas isso não acontecia. O que acontecia era uma aula em que o professor comentava um dos livros, trocava ideias sobre ele conosco, ajudava-nos a entender a linguagem, os significados, as relações entre a obra literária e a sociedade em que vivíamos, nos anos de chumbo da ditadura empresarial-militar que assolou o Brasil por 21 anos.

Éramos meninas e meninos de 13, 14 anos e tínhamos um professor que, além de nos ensinar a escrever bem, exercia conosco a leitura emancipadora, em pleno período de repressão política e alienação forçada da juventude. Estudar com o Professor João Rios foi garantia de nos tornarmos seres pensantes, críticos e politicamente atuantes.

Na dedicatória do segundo livro com que o presenteei, lembro-me de ter escrito: "inesquecível professor". Eis o consolo com que tento dissipar o arrependimento por não tê-lo visitado: como bom leitor que era, tenho certeza de que soube entender a importância que teve na minha vida.

Hoje, ao constatar que o mundo está sem o Professor João Rios, sinto-me um pouco órfã...

quarta-feira, 30 de março de 2011

Sanatório geral (com licença poética)

Peço desculpas aos meus 34 seguidores e aos eventuais leitores pelo sumiço. Ando fora de Brasília, com internet 3G, que, cá pra nós, é uma lástima. Se você sai da cidade de origem, o modemzinho começa a trabalhar devagar, quase parando. E às vezes para mesmo, matando a gente de raiva. Em tempo: o meu é da Claro.

Agora, respire fundo, porque o texto aqui é longo e penoso; o assunto é espinhoso e a reflexão é dolorosa.

Dois assuntos se destacam entre os que atraíram minha atenção nos últimos dias: as polêmicas declarações de um certo sr. Bolsonaro, de cunho racista, homofóbico e sexista; as discussões sobre a reforma política no Congresso Nacional.

As tais declarações de um parlamentar que representa a face mais visível da extrema direita nacional, de tão absurdas, nem deveriam ser objeto de polêmica: é valorizar demais o produto mal-cheiroso de quem precisa recorrer a esse subterfúgio para se manter em evidência na mídia.

Parlamentar apagado, diria eu que até incompetente, Bolsonaro não passa hoje de uma excrescência produzida pela formação dispensada aos militares, ainda hoje, nas "academias", quartéis, casernas, clubes e círculos militares. Herdeiros do que há de mais arcaico na visão positivista de mundo, mesclada ao viés ideológico equivocado da combalida doutrina da segurança nacional, esses seres humanos devem ser urgentemente alertados, para que comecem a pensar autonomamente, pautados por princípios republicanos de cidadania e direitos humanos.

Esses bolsões do pensamento político retrógrado teimam, ainda hoje, em "comemorar" o 31 de março - que na verdade foi um 1º de abril - como aniversário de uma pretendida "revolução" que não passou de golpe apoiado pela raivosa UDN e por agentes estadunidenses. Sua consequência foi a deposição de um presidente democraticamente eleito, considerado ameaçador pelas reformas de base que pretendia executar neste país.


O golpe empresarial-militar, ainda hoje defendido pelo tal sr. Bolsonaro, mergulhou o Brasil em 21 anos de retrocesso político, com a repressão brutal aos movimentos sociais, a tortura e o assassinato de quem se opunha à ideologia verde-amarela do "milagre brasileiro", capitaneado pelo ex-superministro da Fazenda Delfim Netto e outros tantos colaboradores do regime, como José Sarney e Marco Maciel, o defunto Antonio Carlos Magalhães, o vivíssimo Jarbas Passarinho, o portavoz-matador-de-lebres Alexandre Garcia e um bando de políticos que hoje, na nossa democracia cambembe, ainda exercem mandatos por aí, depois de terem aprendido as "boas práticas" da governança como governadores e prefeitos "biônicos", como ficaram conhecidos aqueles guindados aos cargos públicos por nomeação dos ditadores militares.

O pior é que esses ratos de gabinete produziram crias e mais crias, que reproduzem aqui e acolá suas práticas antirrepublicanas: assaltam os cofres públicos, corrompem e são corrompidos escandalosamente; acostumaram-se a encarar a política como processo de apropriação do coletivo pelo pessoal; do público pelo privado; do Estado pelo capital.

Aí é que entram as discussões sobre a reforma política. O que se pretende, verdadeiramente, com a proposta do "distritão", ou seja, o voto distrital? A quem interessa a perpetuação do caciquismo político e a manutenção da primazia do poder econômico? A quem interessa o abortamento das forças políticas emergentes, impedindo sua organização em novos partidos políticos? A quem interessa o financiamento privado das campanhas políticas, com todos os esquemas imagináveis de caixa 2, ou financiamento ilegal? A quem interessa o desequilíbrio de forças na superexposição deste ou daquele candidato nos meios de comunicação? A quem interessa o pagamento de quantias enormes pela produção de peças publicitárias que vendem candidatos como cerveja, com perfil moldado mediante caríssimas pesquisas qualitativas?

Em que lugar do mundo está em vigor o voto distrital? Descobri hoje: Vanuatu. Em que lugar do mundo se permitem doações ilimitadas de pessoas jurídicas a candidatos? Veja AQUI como fazem alguns países. Há outras questões implicadas nessa proposta, que contribuem para fragilizar ainda mais o já alquebrado sistema partidário brasileiro. Eu, particularmente, me sinto lesada quando um político em que votei muda de partido. Tenho ganas de obrigá-lo a devolver o mandato, porque votei nele por ser de tal partido.

Também acho abominável que haja coligações para eleições proporcionais de vereadores, deputados estaduais e federais. Nada descaracteriza mais um candidato do que as coligações com objetivos meramente eleitorais. Veja a confusão em que se encontra hoje, por exemplo, o Distrito Federal, onde rorizistas, arrudistas, petistas, comunistas, socialistas, trabalhistas, liberais, ex-comunistas, "pandoristas" e oportunistas (de)compõem uma coligação e dizem trabalhar pela moralização da vida política local. Isso nivela por baixo todos eles e desmoraliza o trabalho dos políticos sérios.