quinta-feira, 29 de abril de 2010

"Caía a tarde feito um viaduto..."

Uma gripe danada me pegou. Estou de molho, assistindo à TV Justiça, que transmite a apreciação, pelo STF, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF nº 153. Ou seja, revisão da lei de anistia. Placar final: sete contra e dois a favor.

Isso quer dizer que a nossa corte judiciária máxima deliberou que a lei nº 6683/79 - a lei da anistia - não contraria a Constituição Federal de 1988. Portanto, não se deve permitir a punição daqueles que cometeram crimes comuns durante a ditadura empresarial-militar, como os crimes de homicídio e tortura, que foram definidos pela lei como "crimes conexos".


Confesso meu desânimo. Por causa da gripe? O físico, sim. Mas o da alma deve-se ao espetáculo midiático proporcionado pela togada corte. Conservadora ao extremo, legitimando a covardia dos agentes do arbítrio e reafirmando a tradição brasileira de tudo resolver pela conciliação artificial própria dos pactos da elite dirigente deste país.

O argumento mais utilizado é o de que a lei de anistia "foi bilateral". Quem viveu os anos 1970 sabe que, naquele contexto, qualquer decisão "bilateral" foi resultado da imposição das armas. Ou os opositores do regime concordavam ou concordavam. Não havia escolha.

Hoje sinto que o STF está negando ao país a oportunidade histórica de responsabilizar os agentes da tortura e da violência que marcaram a vida nacional naquele período. Havia os que sabiam que os militares estavam a serviço do setor empresarial, que seus governos não combateram a corrupção, que sua política econômica aumentou a pobreza e o endividamento externo, que sua arbitrariedade tirou vidas de brasileiros que ousaram pensar por si mesmos.

Jornalista Vladimir Herzog, assassinado no DOI-CODI de S. Paulo, em outubro de 1975

Os agentes da ditadura empresarial-militar intimidaram trabalhadores, professores, jornalistas, artistas. Forçaram muitas pessoas ao exílio. Forçaram a violência como resposta para a violência da prisão, tortura e morte dos opositores do regime. Fecharam o Congresso Nacional, cassaram juízes e desembargadores, senadores e deputados. Para que os presos fossem libertados e os exilados voltassem, foi necessária a negociação da lei da anistia. Negociação desigual, entre a força dos tacões dos coturnos e as famílias de homens e mulheres prisioneiros e maltratados.

O operário Manoel Fiel Filho, assassinado em 17/01/1976, nas dependências do II Exército

Ao se recusar a fazer a revisão da lei da anistia, o STF passa a borracha sobre o passado autoritário e sinaliza a não responsabilização dos criminosos, dos apaniguados do poder, dos empresários que financiaram o golpe, dos políticos que ainda hoje circulam com desenvoltura pelos corredores dos poderes executivo e legislativo, esfregando na cara da gente sua impunidade.

Você reconhece algum desses rostos?...

Tanta resistência, tanta luta, tantos protestos... Apoio ao movimento sindical, campanha das
Diretas já, passeatas e manifestações, sempre sob o olho atento dos militares, suas ameaças veladas: "General reclama de bandeiras vermelhas em comício das diretas". Quem não se lembra? Quem não se lembra da Rede Globo omitindo do noticiário o grande comício que reuniu um milhão de pessoas no Rio de Janeiro? Hoje muitos dos que colaboraram com a repressão gritam na imprensa contra o governo. Já viram o Alexandre Garcia, no jornal matutino? Deve estar neste momento aplaudindo a decisão do STF.

Então, é isso. A charge do Latuff, de 2008, continua atual, infelizmente:


E a gente vai levando a vida, teimando em não esquecer, como diria o saudoso Henfil.

A Graúna, do Henfil

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Informação e manipulação

Agora é hora de voltar a lidar com a ausência da filha que viajou novamente. Um mês passa rápido demais quando a gente está ao lado das pessoas amadas que moram longe...

Hoje li, no Vermelho, entrevista da blogueira cubana Yoani Sánchez, cujo blog é saudado como o mais premiado no mais curto tempo de existência em toda a blogosfera. E aprendi uma lição: este espaço de reflexão e expressão pode muito bem servir para toda ordem de manipulação dos leitores. Seu blog, traduzido para 17 línguas, é um dos mais caros da web. E é de oposição, de denúncia daquilo que ela denomina as mazelas do governo cubano, tais como a falta de liberdade de expressão. Você pode visitá-lo e ver como Yoani escreve sobre tudo o que bem entende e ainda faz uma lista de grande número de blogs cubanos de oposição ao governo. E tudo isso em um país em que não há liberdade de expressão!

Isso me leva a refletir sobre o sentido de escrever aqui rotineiramente. Entre meus leitores há os que me conhecem e sabem de minhas preferências políticas. Mas também há aqueles que não fazem muita idéia de quem sou, que tipo de sociedade defendo ou em que candidatos voto.

É difícil exercer a liberdade de pensamento e expressão sem, em alguns momentos, chocar-se com a visão de mundo de outras pessoas. Esse é o risco que se corre quando se tem um blog. Por isso, é importante reafirmar sempre o respeito à pluralidade de pensamento, abrindo espaço para que os leitores possam manifestar sua discordância e seus questionamentos.

Hoje as notícias mais confiáveis estão na internet, não nos portais da velha grande mídia, mas nesses espaços ocupados por jornalistas independentes, professores e quaisquer pessoas que se disponham a apreender a realidade e a expressar suas reflexões, como forma de reação ao viés alienante das redes de televisão e dos jornalões. Há quem preveja o fim irreversível da imprensa tradicional, derrotada pela cada vez maior circulação de notícias via internet.

Some-se a isso a corrosão da credibilidade jornalística dos veículos que não mais conseguem disfarçar sua parcialidade em relação ao momento político que vive o Brasil. A manipulação corre solta: desde a seleção de conteúdos negativos a determinado candidato até os perigosos truques metodológicos dos institutos de pesquisa de intenção de votos, ligados a jornais e emissoras de televisão; desde as entrevistas cordiais com um candidato até a agressão verbal com outro.

Em suma, a imprensa se transformou, no Brasil, no maior partido de oposição, como bem definiu a presidente da Associação Nacional de Jornais: Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos. Por isso estamos fazendo.

Isso foi dito por Judith Brito, presidente da ANJ e funcionária do grupo Falha, ops! Folha de São Paulo. Sinal de que o jogo, principalmente neste período pré-eleitoral, vai ser pesado. Preparemo-nos.


Imagem retirada de http://glaucocortez.com/tag/jornalismo/