sexta-feira, 19 de março de 2010

Educação e mundo do trabalho

Antonio Gramsci foi um pensador-militante comunista italiano, que passou 8 anos encarcerado pelo fascismo e morreu aos 46 anos, em 1937. Em seus escritos, reunidos nos Cadernos do Cárcere (seis volumes), há reflexões importantes sobre a relação entre educação e trabalho. Gramsci defende o trabalho como princípio educativo, ou seja, como "elemento constitutivo da formação na medida em que possui uma dimensão teórico-prática, capaz de mediar a integração do trabalho com o momento educativo."

Gramsci

Cada vez que releio Gramsci e/ou seus estudiosos no Brasil, fico a pensar na educação de nível médio, hoje. O ensino médio é visto por muitos apenas como uma etapa a ser vencida pelos estudantes para terem acesso ao ensino superior. Tanto que muitas escolas substituíram a reflexão sobre os conteúdos ministrados nesse nível de ensino por estratégias para que o aluno enfrente os exames - antes, os vestibulares; hoje, o SISU-MEC.

Mas há grande número de pessoas que, depois de concluído o ensino médio, não vão para a universidade: algo em torno de 18 milhões de brasileiros e brasileiras. Esses vão procurar emprego, munidos apenas dos conhecimentos que obtiveram no colégio. Considere-se a precariedade de muitas escolas, que diplomam alunos com sérias deficiências de leitura, escrita e raciocínio matemático. Pense: quantas pessoas você conhece nessa situação? Quantas vezes você viu um recado mal escrito, uma lista de compras cheia de erros ortográficos, uma dificuldade com o troco por parte de um vendedor, e pensou: "nossa, nem parece que tem o segundo grau!"

Se tivessem saído do ensino médio com uma qualificação que lhes permitisse ingressar no mundo do trabalho - veja bem: eu não disse "mercado" -, esses brasileiros e brasileiras talvez pudessem dar rumo diferente a suas vidas. Algo mais que trabalhar para viver - nas sociedades capitalistas, "viver" é igual a "consumir".

Não pensem que estou propondo a volta da lei 5.672, de 1971, que fracassou na tentativa de profissionalizar o segundo grau justamente por causa de seu foco na formação estrita para o mercado de trabalho. Já naquela época era preciso pensar em uma formação que privilegiasse o trabalho como elemento estruturante da vida, naquela relação dialética entre a humanização da natureza e a "naturalização" do humano. Daí Gramsci ter pensado no trabalho como princípio educativo, princípio esse que nortearia a produção de conhecimento técnico-científico e também a interação do homem com as práticas culturais.

Trabalhei em uma instituição pública de educação tecnológica, antes e depois do desmonte da educação promovido pelos (des)governos FHC. De nada adiantaram os protestos das comunidades dessas escolas, que por força de um decreto, foram proibidas de ofertar a educação básica - ensino fundamental e médio - integrada com a educação para o trabalho. Foram anos de luta e de labuta em uma escola deliberadamente sucateada, cujos dirigentes saíam a buscar financiamento em fontes outras que não o governo federal.

Laboratórios tornavam-se obsoletos, professores aposentavam-se e não eram substituídos. Trabalhar naquela época foi muito mais um exercício de resistência e de enfrentamento da cartilha neoliberal imposta pelo governo. FHC, Paulo Renato, Bresser Pereira e grande parte daqueles que hoje se aninham no governo paulista foram os responsáveis diretos pelo enfraquecimento da educação tecnológica no Brasil, enquanto o sistema S se esbaldava com dinheiro público.

Hoje está de volta o ensino integrado e houve aumento considerável do número de escolas federais de educação tecnológica. Foi necessário que um operário sem diploma de curso superior chegasse à presidência da república para que o país passasse a valorizar a educação integrada e integral que essas escolas oferecem. Se quiser ver como foi sua expansão, clique aqui.

Mas o assunto deste post não era esse. Alonguei-me na introdução. Não faz mal: no próximo post falarei de uma escola da qual fiquei amiga e que, apesar de todas as dificuldades, caminha na direção dessa educação que se organiza em torno do trabalho como princípio educativo de que nos fala esse italiano baixinho, corcunda e genial! Aguardem...

quinta-feira, 18 de março de 2010

Avanços e recuos

Leio na Falha, ops!, Folha de S. Paulo que o governo está recuando na redação do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH. Serão modificados três pontos, considerados "críticos" (você pode ler a matéria aqui).

A gente pensa que as mudanças se farão porque houve ampla discussão com todos os segmentos e movimentos sociais. Mas não: duas delas são resultado de pressões da igreja católica. A outra se deve à gritaria do setor mais atrasado da economia brasileira, o latifúndio.

Pois então. A descriminalização do aborto é propositalmente confundida pela mafiomídia e pela igreja com a "liberação" do aborto. Qualquer tentativa de tratar o problema como sendo de saúde pública resulta em alarido da mídia conservadora, ecoando bispos daqui e dali.

O mesmo ocorre com os símbolos religiosos em espaços dos serviços públicos: hospitais, escolas, tribunais e demais instituições públicas, que servem a fiéis de todas as crenças assim como a infiéis, ateus e agnósticos, continuarão impondo a visão da imagem católica a alunos em salas de aula, a doentes em quartos e enfermarias, a servidores públicos de diferentes religiões.

A outra instituição secular que força a mudança no PNDH é o latifúndio. Sim, no Brasil essa forma pré-capitalista de posse da terra constitui uma força institucional. Não importa que a função social da propriedade esteja prevista na no artigo 170 da Constituição Brasileira.
Importa, em última instância, preservar as grandes extensões de terra, muitas vezes improdutivas, concentradas nas mãos de uma minoria. Enquanto isso, agravam-se as tensões da luta pela terra, com nítida desvantagem para os movimentos sociais, contra os quais a mafiomídia e o poder judiciário exercem o papel de fiéis cães de guarda da propriedade, com fúria de pitbul.

Mas. Sempre tem um "mas". Se você for exigir discussão, denúncia e punição para os casos de pedofilia e abusos sexuais praticados por membros da secular igreja, conseguirá no máximo reportagens superficiais, nada de cobranças e um judiciário apático. Da mesma forma, se quiser apurar denúncias de grilagem de terras por conhecidos latifundiários, baterá contra uma rede de proteção, um silêncio obsequioso, uma canina cumplicidade de jornais, tevês e revistas.

É o que digo: essa balança dos direitos humanos, igual àquela da velha senhora de olhos vendados, pende sempre para o lado do capital. A tal igreja católica também tem pendido, historicamente, para o lado do poder e do dinheiro.

Pensando hipoteticamente, se algum dia houver quebra da hegemonia da igreja católica, será que outras religiões não assumirão o mesmo papel? Claro que sim. Essa é uma disputa por poder que se desenrola dentro da história do capitalismo. Terra, dinheiro, imagens, símbolos. Tudo isso tem apenas uma finalidade: manter o status quo. E disseminar o preconceito de que direitos humanos são "coisa de bandido", como diz um certo Fraga, em Brasília.

E os direitos da maioria? Que direitos? Ora, os direitos!

terça-feira, 16 de março de 2010

Série: Mentiras mafiomidiáticas

Uma leitura dos jornais hoje foi suficiente para reforçar uma idéia que há tempos venho matutando para este blog: criar uma série dedicada a mostrar as mentiras e manipulações da imprensa brasileira.

Há pouco tempo realizou-se em Brasília a II Conferência Nacional da Cultura. Vocês viram notícias desse evento nos jornalões impressos e nos jornais de televisão? Não? Nem eu! À exceção da rádio Nacional FM de Brasília e do canais de TV NBR e TV Brasil, para a máfia midiática brasileira foi como se a Conferência não tivesse existido. No máximo, uma ou outra notinha escondida em páginas menos lidas.

Isso porque os eixos de discussão incluíram a expressão "quebra de monopólio". Sabem vocês que isso dá arrepios e provoca alucinações paranóides em todos no baronato encastelado nas redações Brasil afora. Quebra nº 1: monopólio das produções culturais, cujo financiamento se concentra, majoritariamente, nas produções das regiões sul e sudeste. Quebra nº 2: monopólio da comunicação, concentrado nas mãos de mais ou menos 12 famiglias de mídia, no Brasil todo.

Daí o boicote. Primeiro, os grupos mafiomidiáticos boicotaram - e tentaram desqualificar - a Conferência Nacional da Comunicação. Agora fazem o mesmo com a Conferência Nacional da Cultura. Devem achar detestável essa mania do governo Lula de fazer conferências municipais, regionais e estaduais, que mobilizam muita gente e, depois, enviam seus delegados para a conferência nacional. Esta última é que elabora as diretrizes da política pública para a área contemplada. Tem sido assim com as políticas para a educação, para as mulheres, para os negros e para a saúde. Por que não fazer o mesmo com a comunicação e com a cultura? - Porque não pode, responde a grande mídia ultrapassada pelo processo social. E não pode porque ameaça privilégios e os lucros das fábricas de notícias.

Então o que faz a mafia midiática? Realiza em São Paulo um convescote travestido de ciclo de conferências sobre a "Liberdade de expressão" (Clique para ver os novos significados mafiomidiáticos dessa expressão, conforme o jornalista Washington Araújo). Vários nomes da fina flor do reacionarismo fazem suas palestras. O tema? "O que a imprensa deve fazer para impedir que certa candidata a presidente seja eleita." Isso foi dito com todas as letras nas conferências(?) de Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo, Roberto Civitta, William Waack e pelos intelectuais-pitbuls a serviço da grande mídia Demétrio Magnoli e Denis Rosenfeld, entre outros.

O evento mafiomidiático foi bastante badalado pela mafiomídia e contou também com a presença de dignos representantes do DEMOcratas, do PSDB, da Opus Dei e da TFP de priscas eras. Tivesse caído ali um meteoro destruidor, o Brasil ficaria sem direita... e quiçá sem grande imprensa!

Resumindo: naquele evento do tal Instituto Millenium foi tudo combinado: daqui para a frente a imprensa vira um partido político em defesa do seu candidato a presidente do Brasil, José Serra. E teve início o vale-tudo para desqualificar adversários, concorram eles a presidente, governador e/ou deputado/senador. E a artilharia pesada já começou. Vale qualquer tipo de associação de candidatos da esquerda com práticas ilícitas ou criminosas, mesmo que essas práticas sejam aquelas da velha direitona. Querem um exemplo?

Correio Braziliense de hoje, 16 de março de 2010, caderno Cidades, página 25: Petistas frente a frente - Agnelo e Magela participam hoje à noite do único debate antes da prévia que definirá o candidato do PT ao Buriti. A matéria é assinada por Ana Maria Campos.

Detalhe: no alto da página, à esquerda, vem um título: "Caixa de Pandora".

O leitor arguto se perguntará: Mas que sabujice é essa? Qual é a relação que existe entre os dois pré-candidatos do PT ao governo do DF e a Operação Caixa de Pandora da PF, que flagrou o governador licenciado Arruda e sua quadrilha com a mão na cumbuca? Por que esse jornal quer forçar uma associação a que ninguém se referiu, pois inexistente?

Veem que sutileza, leitores? Os capos mafiomidiáticos e seus perdigueiros pensam que somos todos tontos. E manipuláveis.

Por essas e outras decidi criar uma série neste blogue, dedicada a mostrar as mentiras e manipulações da máfia detentora dos meios de comunicação no Brasil.