sexta-feira, 2 de julho de 2010

Eu queria ser amiga do Chico Buarque

Tinha 14 anos quando ouvi falar do Chico Buarque pela primeira vez. Uma professora de Educação Moral e Cívica (eram os tempos da ditadura empresarial-militar) anunciou que ele, o rapaz autor de A Banda, iria visitar Araxá. E ficaria hospedado na casa dela.

Não sei se o então rapaz Chico ficou mesmo hospedado na casa daquela velhinha reacionária. Sei que, numa tarde, eu menina fiquei com o rosto colado à grade da casa de esquina, na rua Boa Vista, esperando ver o carinha no alpendre. E vi. Conversando animado, com uma das filhas da professora e outro cara que não pude saber quem era. Vi um sorriso que iluminava o rosto inteiro e me lembro de ter achado lindo o compositor carioca, que naquela época era assim:


Naquela época eu curtia suas músicas numa tal Rádio Mundial, que captava em ondas curtas no velho rádio lá de casa. Ou seja, minha história com o Chico estava apenas começando. Mal sabia eu o quanto ele se faria presente em minha vida.

Ao longo de todo o período dos anos de chumbo, eu compraria cada disco seu para procurar mensagens políticas cifradas, que nos davam ânimo para resistir. Vibrei quando Chico adotou o pseudônimo de Julinho da Adelaide para driblar a censura. Acompanhei sua carreira quando morou na Itália. Para mim, assim como para milhares de outras, Chico era lindo, inteligente, politizado e grande compositor.

Chico sabia falar à alma feminina com perfeição. E o mais importante: sabia - sabe ainda! - traduzir como ninguém a alma feminina. As letras de suas músicas cabem perfeitamente em muitas das situações vividas pelas mulheres, desde as mais prosaicas até as mais trágicas! Penso em João e Maria e Valsinha, de um lado, e em Gota d'água e Ana de Amsterdam, de outro.



Há quem critique as fãs do Chico. Há os caras que sentem ciúmes, porque suas mulheres dizem amar o Chico. Há os que reconhecem que invejam o Chico, porque gostariam de ser como ele: bonito, legal, grande compositor e excelente escritor - no mais, um intelectual que não perdeu o vínculo com o país e seu povo. Eu adorei uma cena de um documentário sobre o Chico, quando um rapaz, ao encontrá-lo na rua, ligou para a mulher, dizendo: "Amor, adivinha quem está aqui na minha frente?" E depois entregou o celular ao Chico, para que falasse com ela. O Chico é assim, adorável.

Quanto mais passa o tempo, mais a produção poético-musical e literária do Chico me parece melhor. Um exercício misto de sensibilidade e leitura do processo social brasileiro, de entendimento da nossa história e da nossa sociedade, em perspectiva permanentemente crítica.



Por isso tudo, eu queria muito ser amiga do Chico Buarque. Não para dar uma de fanzoca, daquelas que viram os olhos e soltam gritinhos ao vê-lo. Eu queria mesmo era sentar por meia hora com o Chico para tomar um café, no Rio de Janeiro ou em qualquer outro lugar. E com ele conversar, como boa amiga, sobre qualquer assunto. Talvez até nem conversar, apenas saborear o café, enquanto penso em como é bom ser amiga do Chico Buarque!


domingo, 27 de junho de 2010

O PIB sobre pneus

Penso que não passou despercebido o anúncio de que o PIB brasileiro cresceu 9% no primeiro trimestre deste ano. Essa informação esteve em todos os jornais escritos e falados no início deste mês (veja aqui, por exemplo).

Dei-me ao trabalho de pesquisar o que é isso e achei uma boa explicação aqui:

Principal indicador da atividade econômica, o PIB - Produto Interno Bruto - exprime o valor da produção realizada dentro das fronteiras geográficas de um país, num determinado período, independentemente da nacionalidade das unidades produtoras. Em outras palavras, o PIB sintetiza o resultado final da atividade produtiva, expressando monetariamente a produção, sem duplicações, de todos os produtores residentes nos limites da nação avaliada. A soma dos valores é feita com base nos preços finais de mercado. A produção da economia informal não é computada no cálculo do PIB nacional.

Então. Alvíssaras! Bom para o Brasil, não? Resultado dos estímulos ao aquecimento da economia, com criação de mais empregos, aumento da produção e do consumo etc. Toda essa produção circula por aí, uma parte dentro do país, outra parte destinada à exportação. Bom, bom mesmo, não é?

Pois bem. Mas eu leio por aí que uma carreta carregando bobinas de aço tombou sobre dois carros e matou NOVE pessoas! Nove pessoas! Adivinhem onde... Na já conhecida "rodovia da morte", a BR 381, em Minas Gerais. Para variar, o acidente ocorreu nas curvas próximas a Caeté, cidade que já perdeu muitos de seus filhos em acidentes naquela estrada. Veja a matéria aqui.

Abundam por aí as notícias sobre acidentes gravíssimos envolvendo caminhões e carretas. Veja algumas aqui, aqui e aqui. E isso se dá no Brasil todo, tornando as rodovias superperigosas. Quem viaja por nossas estradas pode observar todo tipo de caminhão e carreta circulando. Tem aqueles que são novos e modernos, mas também existem os antigos, velhos, muito usados e em péssimas condições de conservação.

Imagine viajar atrás de um desses, em uma estrada cheia de curvas...

Uma vez andávamos pela BR 381 e nos chamou a atenção um caminhão carregado de carvão. Estava com a carga muito alta e visivelmente desequilibrada para o lado direito. Estávamos atrás dele e tratamos de nos distanciar, para não correr o risco de que a carga caísse na estrada bem na nossa frente.

Eu já discuti neste blog o problema da BR 381, que mata mais do que qualquer outra rodovia brasileira e corre paralela a uma ferrovia, concedida graciosamente à Vale do Rio Doce para transportar seu minério. Subutilizada, quando poderia ser compartilhada para transporte de outras cargas, aliviando assim a estrada e contribuindo para diminuir os acidentes em que se envolvem caminhões e carretas.

Mas é preciso parar para refletir: em que momento da nossa história o Brasil abriu mão de uma malha ferroviária para transporte de carga? Até que ponto o
lobby dos fabricantes de caminhões é influente nessa decisão? E a indústria do frete, tem participação nesse lobby? Como são as condições de trabalho dos motoristas de caminhões e carretas? É verdade que trabalham permanentemente pressionados por curtíssimos prazos de entrega?

Tudo isso e alguna cosita más deve ser objeto de reflexão e de impulso de alguma ação concreta que tenha por objetivo fortalecer o transporte ferroviário e ajudar a tornar nossas estradas menos perigosas e mais bem conservadas.

Festejemos o crescimento do PIB brasileiro, mas sem esquecer os homens, mulheres e crianças que morrem todos os anos nas estradas que o transportam.