quarta-feira, 19 de maio de 2010

"Não somos racistas"

Neste mês em que se comemora a abolição da escravatura no Brasil, o professor Marcelo Paixão, da UFRJ, divulgou interessantíssimo trabalho de pesquisa.

Mostra-nos ele, entre outras coisas, que os negros e mestiços continuam em desvantagem: têm em média 2 anos menos de escolaridade que os brancos; a média salarial das pessoas negras/mestiças é 50% menor que a das pessoas brancas; o percentual de negros nas universidades públicas é ainda muito pequeno, apesar da adoção das políticas afirmativas.

Tudo isso é sabido e consabido. Esses números podem ser piores, se focarmos especificamente a situação das mulheres negras, pois a ela se soma a desvantagem da discriminação de gênero, além da cor da pele.

Esses dados são divulgados todos os anos e mostram melhoras muito lentas na situação dos negros/mestiços no Brasil. São indignantes e servem para nos mobilizar na luta pela superação da herança escravista.

Mas neste ano foi divulgado um dado pra lá de indignante, escandaloso mesmo: o professor Paixão nos mostra que, de 2003 a 2009, foram libertados do trabalho escravo 40 mil brasileiros e brasileiras, que viviam e trabalhavam em fazendas, em regime de servidão por dívida. Destes, 73,5% são negros. É o alto preço da "paz no campo" defendida pela senadora Kátia Abreu, latifundiária e presidente da Confederação Nacional da Agricultura. E esse é também o preço que paga o trabalhador rural que não ingressou em um dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária: o de ser espoliado e escravizado.

Trabalhador libertado mostra sequelas de acidentes de trabalho e a água "potável" que consumia durante a escravidão (Imagem retirada do Blog do Sakamoto)

A OnG Repórter Brasil monitora as ações de combate ao trabalho escravo e mantém atualizadas as notícias que nos mostram tratar-se de prática generalizada em todo o Brasil. O grande explorador dessa mão de obra é o agronegócio - nome moderno para nosso velho conhecido latifúndio. Na lista suja do Ministério do Trabalho, você pode comprovar que as empresas agropecuárias são as maiores infratoras das leis trabalhistas. Mas isso ocorre também nos ramos de atividade da construção civil, das confecções e dos calçados.

Uma sociedade erguida sobre as bases carcomidas do latifúndio e da escravidão, que não se dispõe a combater efetivamente essas práticas sociais, pode se dizer civilizada? Você, que compra nas Lojas Marisa e C&A, sabe que as roupas vendidas por elas são produzidas à custa do trabalho escravo de imigrantes bolivianos, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo?

Trabalhadores escravos em oficina de costura que fornece roupas para as Lojas Marisa e C&A (imagem retirada do site Repórter Brasil)

São 40 mil brasileiros (e também estrangeiros) libertados da relação escravista. Pessoas que tiveram suas vidas roubadas, foram proibidas de sonhar, impedidas de exercer livremente seus direitos. A escravidão hoje é duplamente perversa: primeiro, pelo crime de privação da liberdade de outrem, já por si hediondo; segundo, por persistir esse crime em uma sociedade dita civilizada, que alardeia a igualdade de direitos de todos perante a lei.

Passados 122 anos da abolição oficial da escravidão no Brasil, ao ver esses dados da pesquisa do professor Paixão, ganhamos a certeza de que também esse capítulo da vida social brasileira não passa de mais um conto da carochinha da história oficial.

Quase nada mudou. Hoje Macunaíma talvez dissesse: "Latifúndio e escravidão, os males do Brasil são."

segunda-feira, 17 de maio de 2010

De volta pro meu aconchego

Não, este blog não foi desativado. Apenas tive algumas atribulações que me impediram de escrever com a frequência desejada. Junte a elas certa falta de inspiração, provocada pela perplexidade com alguns acontecimentos recentes.

A realidade brasileira supera a ficção. Se lesse em algum romance sobre um país distante cuja grande imprensa se dedica laboriosamente a desconstruir os fatos, em vez de apresentá-los aos leitores, eu encararia tudo como uma narrativa ficcional. Mas não há romance sobre isso. Há, sim, no Brasil, um trabalho concertado e coordenado dos meios de comunicação para distorcer, desqualificar e/ou minimizar tudo que possa contribuir para o aumento da auto-estima dos brasileiros, pelo orgulho de pertencer a um país que pouco a pouco se afirma como nação soberana no cenário internacional.

Por isso, o acordo assinado com o Irã e a Turquia para o controle do enriquecimento de urânio, que acaba por esvaziar a proposta dos EUA de aplicar sanções econômicas ao país islâmico de 75 milhões de habitantes, não passou de um "golpe diplomático" para a mídia nativa. A pergunta mais frequente nos debates televisivos era "o que o Brasil ganha com isso?" A paz internacional - não aquele embuste conhecido como "pax americana" - não significa nada para os barões da imprensa, que ridicularizam o protagonismo do Brasil nesse episódio, na contramão da imprensa internacional. Aqui sim temos o "golpe midiático" da desinformação... Mais um.

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Hoje pela manhã ouvíamos na rádio Câmara um programa de uma série sobre as pessoas portadoras de invisibilidade social. A primeira entrevista foi com uma moradora de rua de Brasília, ex-professora de piano, mulher muito culta e de discurso bem articulado. Anda carregada de livros. Por que está na rua? Pela sucessão de problemas que a levaram a perder tudo que tinha. Define-se como uma migrante, uma andarilha.

Você pensa que apenas mendigos, bêbados e drogaditos vivem nas ruas das cidades brasileiras?
Pois aprendi que há todo tipo de gente, inclusive aquelas pessoas que estão na rua por opção.


Pensando bem, é um direito das pessoas estarem na rua, se esta for sua escolha. Cabe ao poder público prover o apoio necessário a quem vive sem teto: abrigos onde as pessoas possam tomar banho, fazer refeições e tenham pequenos armários para guardarem o pouco que possuem.

Agora voltemos ao uso da expressão "invisibilidade social", que me parece apenas mais um modo de escamotear a questão implícita na existência dessas pessoas. Serão elas invisíveis ou a sociedade é que está cega, não as enxerga? Elas se expõem nas ruas, perambulam, esbarram na gente o tempo todo. Como podemos não vê-las?

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Onde andam James Cameron e Sigourney Weaver, que, por conta do sucesso do filme Avatar, considerado um libelo ecológico pelos jornais brasileiros, andaram dando declarações e fazendo súplicas ao governo brasileiro para que não construa a usina hidrelétrica de Belo Monte?

Sintomaticamente, não vi nenhuma declaração deles sobre o recente desastre ecológico, por derramamento de óleo no mar, ocorrido na costa dos EUA. Aqui no Brasil as declarações dos dois foram repercutidas pelos jornalões e noticiários de TV, com o reforço da candidata verde à presidência da república, Marina Silva. Bem, é assim: no quintal, vale todo tipo de ingerência,
já que o histórico complexo de vira-lata da elite brasileira faz com que essas declarações sejam até valorizadas e usadas para fazer oposição a projetos de investimento no setor de energia elétrica. Já quando o problema é na própria cozinha, o negócio é abafar a fumaça...