domingo, 16 de janeiro de 2011

A vez da Educação - Ideias para uma cidade do terceiro milênio (III)

Durante o brevíssimo período em que trabalhei na antiga Fundação Educacional do DF fiquei, por várias vezes, inconformada com certos critérios adotados pelos gestores, no que dizia respeito tanto às diretrizes curriculares quanto à carreira docente.

Havia algumas medidas que eu considerava extremamente prejudiciais ao desempenho dos professores e professoras, como, por exemplo, a política de remoção: em início de carreira, não importava o endereço, o professor/professora tinha de ir para uma escola geralmente - e invariavelmente - distante de casa. A meu ver, perdia-se algo importante para o processo de ensino e aprendizagem: o elo do professor com a comunidade escolar.

Pode não parecer, mas essa ligação é necessária. Um professor que conhece a comunidade a que pertence sua escola tem mais condições de integrar seu trabalho à realidade dos alunos. Não se pode negar que isso é desejável, para não dizer indispensável ao fortalecimento da escola cidadã e, por consequência, à boa qualidade da educação.

Um professor ou professora, algum dia, ao fazer as contas de seus gastos com transporte e alimentação enquanto trabalha tão longe de casa, pode facilmente desanimar e desistir de permanecer na rede pública. Não sei como é a política de remoção hoje, mas naquela época o tempo de serviço era o critério que possibilitava ao docente pleitear vaga em escola próxima de sua casa. Parecia proposital, às vezes parecia que mandar o professor para bem longe de sua casa era um ritual de passagem indispensável para testar sua perseverança e disposição de continuar trabalhando na educação pública. E não se admitia o questionamento de tal política, sob o argumento de que "sempre foi assim".

Outra "política" que me deixava desanimada era a prática corrente de fazer com que um professor completasse sua carga horária "tapando o buraco" da falta crônica de outro. Para vocês terem uma ideia, eu tive de ministrar a disciplina "ensino religioso" para turmas de 7ª e 8ª séries, mesmo depois de declarar formalmente à direção da escola ser ateia e ter severas restrições às religiões em geral, embora respeitasse as crenças dos alunos.

Agora, vocês conseguem me imaginar dando aulas de ensino religioso para meninos e meninas evangélicos, católicos, umbandistas e até de seitas para mim desconhecidas, como seicho-no-ie? Inimaginável, não? Obviamente, passei pela experiência de desenvolver com os alunos pesquisas em sua comunidade, sobre temas como ética, cidadania, movimentos sociais, lideranças comunitárias... Detalhe: a escola em que trabalhava era classificada como "escola rural", mas estava inserida em uma comunidade de Samambaia, bem urbana. E também recebia meninos e meninas de rua, na época denominados "menores infratores".

Foi bom enquanto durou. Mas a diretora resolveu retirar-me das aulas de ensino religioso após constatar que eu fora a única professora a não falar sobre a páscoa com os alunos, muito menos levá-los a produzir coelhinhos de cartolina, cartõezinhos coloridos para os pais, cantar com eles músicas alusivas a essa comemoração. Por quê? Eu simplesmente me esquecera, de tão ocupada que estava em tabular as respostas ao questionário que os alunos haviam aplicado, na pesquisa de campo, sobre o significado da ética em sua comunidade.

Outra coisa que me preocupa, dado que defendo o caráter laico da educação pública, é a adoção de práticas religiosas nas escolas públicas. Já narrei aqui - clique no marcador Educação, aí na coluna da direita, para ver os posts - várias situações de perda da laicidade na prática da escola pública. Lamento constatar hoje, ao acompanhar a educação de minha neta mais velha, que essas práticas nada mudaram; pelo contrário, parecem ter se radicalizado, levando para o espaço escolar a disputa por "mercado" entre as diferentes religiões.

Para não me alongar, gostaria de sugerir ao novo governo que se inicia no DF que encare corajosamente essas questões. Há numerosas outras, mas não preciso listar todas, pois sei que a nova secretária de educação as conhece e também deve se preocupar com elas. Saberá, igualmente, neutralizar o assédio das empresas fornecedoras de serviços educacionais, geralmente interessadas na venda em larga escala de material didático de qualidade para lá de ruim, como as que tem atuado junto aos governos estaduais e municipais de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo.

Fica, por fim, uma sugestão: que seja criada uma Coordenação ou Departamento encarregado de mapear as práticas inovadoras de ensino e aprendizagem nas escolas públicas, que as desenvolvem pelo comprometimento de seus professores, seus alunos e sua comunidade, na busca de uma educação que não seja sinônimo de simples adestramento e padronização.