segunda-feira, 25 de abril de 2011

"Siga o dinheiro!"

É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo! O mundo da informação na internet às vezes se transforma no inferno da informação...

Enquanto vejo as loas da TV brasileira ao próximo casamento real no Reino Unido, acompanho também os protestos da comunidade acadêmica do CEFET-MG contra as retaliações do MEC, tuíto (adoro esses neologismos!) sem parar, vejo o que rola no facebook, comemoro a Revolução dos Cravos, assisto a vídeo do Chico Buarque cantando Tanto Mar,


Chico Buarque - Tanto Mar por mariusangol

leio as chamadas dos principais portais de notícias, passeio pelos blogs de todo dia, tuíto novamente, pesquiso no google, dou pitaco na polêmica sobre projeto de lei do RS que limita o uso de estrangeirismos, visito o sítio do Wikileaks para ler sobre os inocentes presos em Guantánamo, enfim, passo a manhã em atividade frenética frente ao computador.

Como processar tudo isso? É preciso não esquecer que todo esse mundo de informações circulando sem cessar tem origem em uma realidade, um chão social marcado por duríssimas disputas, por guerras, por massacres, por destruições, por ideologias, por manipulações, por imposições, por disfarces e por dissimulações.

Não sou otimista na análise do mundo e do meu país. De vez em quando bate um cansaço, uma preguiça, um desânimo, como se fosse a repetição incessante do mesmo filme: preconceitos de toda ordem são disseminados impunemente, sob o beneplácito dos meios de comunicação, das escolas, das religiões, enfim, daqueles aparelhos ideológicos que fazem com que as coisas pareçam mudar para que fiquem como sempre foram.

Mas é como disse um pensador italiano: a gente tem de ser pessimista na análise, sempre, para que a indignação e a vontade de fazer as mudanças impulsionem nossa ação, nossa interação com outras pessoas tomadas pelos mesmos sentimentos e pela mesma vontade de perseguir o que parece ser utópico, mas tem lá sua concretude a nos esperar no horizonte em construção.

Pois então. Ao mencionar preconceitos que grassam por aqui e alhures, detenho-me no sentimento que parece predominar em relação aos mais pobres. Desde que um operário foi presidente da república, o ódio de classe tão laboriosamente escondido nas relações sociais passou a aflorar em manifestações incontidas de preconceito. Porque é impensável, para o pensamento elitista, que um pobre saiba mais o que fazer para melhorar o país do que os ricos que o precederam foram capazes de saber. Porque é impensável que os pobres recusem o tratamento paternalista a eles dispensados pelos ricos, que se recusem a ser tutelados, que se recusem a viver de favores.

Sim. Porque o favor e o jeitinho são historicamente os subterfúgios utilizados pelos ricos para manter os pobres na dependência, como se não fossem capazes de gerir os próprios destinos. Vejamos algumas situações de hoje, que perpetuam esse vício arcaico da nossa sociedade.

Sérgio Bianchi, em seus filmes Quanto vale ou é por quilo? e Cronicamente inviável, representa bem essas relações, já também representadas na nossa literatura, desde Machado de Assis - o primeiro é uma adaptação do genial conto "Pai contra mãe". Depois de assistir aos filmes de Bianchi, você pode se perguntar: por que ele "desanca" as OnG (organizações não governamentais)?

Mas, se prestar atenção, verá que não são as OnG o objeto de sua crítica: elas são apenas a roupagem contemporânea da velha relação entre elite e pobreza. E não é difícil comprovar isso, no contato direto com a realidade dos pobres no Brasil. As OnG ocuparam o lugar que antes era monopolizado pela velha figura do "atravessador". Só que elas se especializaram em "atravessar" dinheiro público, obviamente em troca de um naco respeitável do recurso intermediado. Assim, os filhos das classes média e alta criam suas OnG e apresentam aos governos federal, estaduais e municipais projetos sociais, ambientais, agrícolas, que irão beneficiar pobres nas cidades, preservar o meio ambiente, ajudar os agricultores familiares, etc etc, para os quais requerem recursos.

Agora vejam uma situação que presenciei: 1) uma prefeitura, em (in)voluntária cumplicidade com uma OnG, especifica as medidas que deverão ter os alimentos a serem adquiridos para a merenda escolar do município (por força de lei, 30% desses alimentos devem ser comprados da agricultura familiar); 2) a OnG convoca uma cooperativa dos pequenos produtores para fornecer os produtos; 3) a cooperativa convoca as associações dos assentamentos para fornecerem os produtos; 4) as associações mobilizam seus assentados para suprir a demanda da prefeitura.

Primeiro problema: para atender às especificações da prefeitura, não é possível que os produtos sejam cultivados sem adubos químicos. Adeus, merenda saudável. E lá vão os pequenos agricultores aderir às práticas do latifúndio, não porque o queiram, mas por imposição da necessidade de sobrevivência.

Segundo problema: do preço contratado para a produção, 30% ficam com a OnG, 20% com a cooperativa, 10% com a associação. Sobram 50% para serem divididos entre os agricultores, proporcionalmente ao que cada um conseguir produzir. Isso os obriga a baixar os preços e os desanima de continuar fornecendo seus produtos para o município.

Agora me diga: por que um esquema desses funciona? A resposta é simples, ou, como diriam dois jornalistas americanos de antigamente: "Siga o dinheiro!"