terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Cenas de racismo explícito

Esta semana assisti ao vídeo da médica sergipana que agrediu verbalmente, com expressões racistas, um funcionário de empresa aérea no aeroporto de Aracaju. Caso queira, veja também:



As matérias subsequentes nas emissoras de TV locais tenderam, todas, a dar espaço ao jovem casal para se lamentar pelo ocorrido, porque, com a publicidade do caso, a médica passou a sofrer ameaças e estava emocionalmente abalada, sem sair de casa. O marido deu entrevista e, depois, a própria autora da agressão: "Eu estava sob muito estresse, os preparativos do casamento exigiram demais de mim, foi um momento de explosão" etc etc etc.

Lamentável a tendência a descriminalizar os casos flagrantes de agressões racistas. Desde o delegado que, sem fazer Boletim de Ocorrência, recebeu a queixa, ouviu os dois lados e concluiu por insuficiência de provas de crime de racismo; até a delegada especializada em grupos vulneráveis, que justificou a atitude do colega; passando pelos meios de comunicação, que mostraram o "radicalismo" do jovem agredido ao recusar o pedido de desculpas da médica. Não faltaram entrevistas com "populares", inclusive negros, dizendo que era preciso "saber perdoar".

Fico a pensar por que é tão difícil, no Brasil, identificar na sociedade sinais de superação da mentalidade escravista. As imagens da médica esbravejando contra o negro me lembraram cenas descritas em romances românticos, da sinhazinha mimada se recusando a ser contrariada e descarregando toda a sua frustração raivosa no escravo da fazenda. Tivesse ela uma chibata, sei não...

É muito raro que uma cena dessas, mesmo com todas as evidências gravadas em vídeo, resulte em uma prisão em flagrante pelo crime inafiançável de racismo. Logo começa a se movimentar uma engrenagem complexa, dedicada a minimizar o racismo, a justificar a atitude do acusado e, assim, descaracterizar o crime.

Nesses tempos em que está em pauta o 3° Plano Nacional de Direitos Humanos, é sintomático que uma sinhazinha seja flagrada em crime e, depois, haja tanto esmero em fazer com que se safe da acusação. É assim também com outros tipos de crimes cometidos por quem tem dinheiro e usufrui de prestígio nessa sociedade. Não se fala das terras griladas pelos latifundiários, como, por exemplo, a senadora Kátia Abreu. Mas se fala com estardalhaço oposicionista das terras invadidas pelos movimentos de trabalhadores do campo ou da demarcação de reservas indígenas de cujas terras o latifúndio se apropriou.

Não se fala dos crimes do colarinho branco, muitos deles já apurados por operações como a Satiagraha, Anaconda, Castelo de Areia e Caixa de Pandora (ai, adoro esses nomes! acho a Polícia Federal muito criativa na denominação das operações contra o crime organizado - dos ricos!), mas há muito destaque para "palavrões" e escorregadelas do presidente operário ou da candidata a sua sucessão, que já teve até ficha da polícia política falsificada pela Falha, ops!
Folha de S. Paulo.

O que me desola e dilacera é ver que o povo ainda embarca nas empulhações da classe rica e das instituições que servem aos ricos e poderosos (religião e educação entre elas). Essa "cultura do perdão" é um exemplo: vale para quando é um trabalhador negro o ofendido, esse tem de perdoar.

É por isso que o governador do DF - cada vez menos governador e cada vez mais chefe de quadrilha - fez discurso dizendo que perdoa seus acusadores, porque também quer ser perdoado. Vai ver a gente tem obrigação de perdoar o pulha!

3 comentários:

Oksana disse...

Acho que descobri a razão da falta de comentários por aqui. É que seus textos simplesmente DIZEM TUDO que precisa ser dito.
Perfeita análise do preconceito tão entranhado na sociedade que nem sempre funcionam os mecanismos criados para extirpar esse mal.

Unknown disse...

Caraleo, surreal! Não tinha visto o video. É bem pior do que imaginava. Esse nosso país ainda tem de crescer muuuito em relação à reparação aos negros. E pelo jeito serão muitos anos ainda por reparar. É o dinheiro que rege todas as relações. Agira um revanchismo: dá vontade de enfiar um saco de feijão na boca dessa medicazinha de bostorola! beijooo

Anônimo disse...

O nome dessa medicazinha anêmica de sangue e de espírito, é Ana Flávia Pinto Silva. Eis aí um autêntico exemplo de um ser humano dígno de pena.

Rayssa Gianlucca