terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Terceirização.

Vocês já perceberam como se tornou comum a terceirização no nosso cotidiano? Explico: muitas pessoas preferem delegar a outras pessoas ou instituições as tarefas implicadas na educação dos filhos. Há coisas que devem ser ensinadas em casa e há outras que devem ser ensinadas na escola, não? O problema é que muitos pais e mães transferem para a escola a responsabilidade de ensinar conteúdos que deveriam se restringir à convivência da família.

Um exemplo disso é o ensino religioso. A Constituição Brasileira de 1988 extinguiu a obrigatoriedade de matrícula do aluno nessa matéria, que passou a ser facultativa. Minhas filhas, que estudaram em escola pública em Brasília, não tiveram ensino religioso. Não foi fácil convencer a direção da escola a se programar para que elas tivessem outra atividade durante a aula de religião. No início, elas eram colocadas em uma biblioteca quente e desconfortável, onde ficavam ouvindo sermão da bibliotecária, que as ameaçava com o fogo do inferno por serem pessoas sem religião. Apenas depois de algumas brigas é que as meninas puderam exercer seu direito de não-exposição a uma crença no espaço educacional.

Costumo dizer que as pessoas sem religião são alvo de intolerância maior do que as que professam alguma crença. Na escola, as meninas eram frequentemente questionadas pelos adultos, que achavam impossível alguém viver bem sem ter uma religião. Aprenderam cedo a dar as respostas que afastassem os xeretas de plantão: religião precisa de fé e fé é um sentimento íntimo, por isso deve ser tratada em casa e não na escola, que é um lugar para adquirir conhecimento das ciências, das linguagens e da natureza.

Bem, essa briga foi nos anos 80 do século passado. E não é que descubro hoje, em pleno século XXI, que as escolas da rede pública de Brasília ainda colocam os pequeninos do jardim de infância para rezar, três a quatro vezes por turno?

Pois é. De acordo com o que diz a Constituição Brasileira, em seu artigo 210, parágrafo 1°: "O ensino religioso,
de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental." (Se quiser ler a carta magna, clique aqui e se espante com a quantidade de emendas que ela já recebeu!)

Raciocínio dedutivo: a educação pública é aquela ofertada pelo Estado; o Estado brasileiro é laico (ou seja, livre de vinculações a uma religião específica); logo, a educação pública deve ser laica. Portanto, como a matrícula é facultativa, se algum pai ou mãe informar à escola seu desejo de que o filho não receba ensino religioso, há que se respeitar esse desejo. Isso sem contar a enorme diversidade de religiões professadas no Brasil e que são desrespeitadas quando o educador impõe apenas uma forma de se "religar com Deus". Vejam algumas fotos e imaginem como seria lidar com essas formas religiosas nas escolas:


O problema é que muitos pais e mães acham bom que o filho aprenda religião na escola. Isso lhes poupa o trabalho de desenvolver com eles a autêntica fé religiosa, dentro de casa e frequentando o culto religioso que escolheram. E o direito das outras crianças, cujos pais não possuem e não querem que os filhos tenham religião?

O direito? Ora, o direito...

Um comentário:

Luciana disse...

Clap, clap, clap. Excelente post! Concordo totalmente que fé se ensina em casa. Nem eu, nem meu marido somos religiosos. Ele, porque nao foi criado em uma. Eu, porque me rebelei a esta forma pronta de sentir a vida e a fé em Deus, algo tão intimo. Sem falar na interpretação cega da biblia...
Assim, decidimos não casar na igreja, nem batizar o Nicolas, que acho que deve ser livre pra fazer suas proprias escolhas religiosas, se um dia lhe interessar. E pensando nisso, não gostaria que suas visoes religiosas fossem moldadas pela escola, que de imparcial nao têm nada (apesar que minha mãe, super católica, garante que sim!).

Beijos e parabens pelo post.