segunda-feira, 1 de março de 2010

De terremoto e corrupção

Atualizando as informações da última postagem: passam de 700 os mortos no terremoto do Chile. A origem dos tremores foi localizada a uma profundidade de 54 km e não em torno de 30 km, como havia sido informado nas primeiras horas depois da catástrofe.

Hoje na Falha, ops! Folha de S. Paulo, Clóvis Rossi faz análise semelhante à minha, ressaltando a ausência do poder público no Haiti após a tragédia. Aliás, esse poder público já era praticamente ausente de fato, antes do grande abalo sísmico, e por isso o país se configura mais como um aglomerado de gente do que como uma nação. Daí o título da matéria: "Um país resiste melhor do que um aglomerado".

Analisando essas últimas informações, é possível supor que as consequências do terremoto no Chile só não atingiram as mesmas proporções do Haiti por causa da profundidade das placas tectônicas em movimentação. E também por causa da legislação da construção civil, que resulta em construções mais resistentes aos abalos sísmicos.

É como diz o Clóvis Rossi: "É cruel, mas é um fato: em qualquer desastre natural, os mais pobres são sempre as maiores vítimas. E não há, nas Américas, maior número de pobres, em relação à população, do que no Haiti."

* * *

Hoje, ao ler notícia da mesma Falha, ops!, Folha de S. Paulo sobre o detento governador licenciado Arruda - que disparou ameaças a seus ex-correligionários, usando como moleque de recados o secretário Alberto Fraga -, constatei que o jornal anda promovendo a mudança de classe gramatical da palavra "supostamente".

Na verdade, a matéria é sobre a intenção do deputado Fraga de se candidatar a governador do DF nas próximas eleições. Deus nos acuda! Ele liderou a campanha do "Não" quando houve o referendo nacional, em 2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições. É um dos membros da chamada "bancada da bala" no Congresso Nacional, grupo de parlamentares que defende os interesses dos fabricantes de armas e munições, cujas campanhas foram financiadas por esse segmento industrial. Se chegar a governador, sua perspectiva de governo será, sem dúvida, pelo prisma da segurança pública, no que esse tema suscita de mais reacionário. E o deputado ainda coloca seu palanque à disposição de José Serra, provável (?) candidato do PSDB à presidência da república.

Mas, voltando ao uso das palavras "suposto/a" e "supostamente", é interessante notar como a mídia se acautela ao noticiar a corrupção de seus aliados. Na matéria citada, aparece o seguinte trecho, sobre o deputado distrital Júnior Brunelli:
"Ele aparece num dos vídeos de Durval recebendo
supostamente propina."

Sobre outro corrupto, Geraldo Naves, preso na Papuda:
" Naves está preso, acusado de ser um dos intermediários da
suposta tentativa de suborno a uma das testemunhas do escândalo."

Sobre a deputada Eurides Brito:
"... a Câmara Legislativa deverá se concentrar nos processos contra a deputada Eurides Brito (PMDB), flagrada recebendo
supostamente propina de Durval, e no de Arruda."

E o Correio Braziliense, então? Vejam só:
"As gravações entregues por Durval ao Ministério Público revelaram ainda personagens que só atuavam nos bastidores, como o policial aposentado Marcelo Toledo e o empresário Renato Malcotti, apontados como operadores dos
supostos esquemas de corrupção do Executivo."

"Enrolado em denúncias de corrupção, pagamento de propina, desvios de recursos,
suposto suborno e falsidade ideológica, o governador — que nas últimas eleições venceu no primeiro turno — não será aceito em nenhum palanque de candidatos. Neste momento, está liquidado politicamente."

Usando as palavras com toda essa cautela, a mídia parece acreditar que um dia a situação em que se encontra Arruda pode ser revertida, ele poderá voltar triunfante ao poder e poderá ser exaltado como exemplo de administrador público!

Um comentário:

Oksana disse...

Usar o termo "suposto" quando se trata de um "suposto" crime ainda sob investigação, até um certo ponto, é respeitar o princípio da inocência. É o mesmo que usar "acusado" em vez de "criminoso", antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
O que nos salta aos olhos, porém, é um exagero de proteção que ultrapassa os limites da hipocrisia. Como alguém pode ser flagrado num vídeo recebendo "supostamente" propina???
Talvez fosse melhor, para garantir a "imparcialidade" da notícia, cobrir-se de cautelas ao dizer que "o suposto deputado foi supostamente flagrado num suposto vídeo supostamente recebendo suposta propina. Mas não estamos bem certos dessa suposta informação".
Ridículo.