Que coisa! Os professores do estado de São Paulo estão em greve. Várias manifestações foram realizadas e houve confronto com a polícia. As fotos são impressionantes!
Praça de guerra, não? Pois é, com saldo de 16 feridos, entre policiais e professores, uma cena se destacou de toda essa violência, provocando inicialmente um equívoco e, depois, uma constatação. A foto de que falo e que chegou a me comover é esta:
Todos pensaram se tratar de um professor em greve, socorrendo uma policial militar ferida. A foto de Clayton de Sousa, da agência Estado, rodou a blogosfera e provocou comentários emocionados daqueles que enxergaram nela um momento de solidariedade irrestrita de um ser humano por outro.
Depois vieram as declarações do comando da PM paulista de que se tratava, na verdade, de um policial militar em trajes civis, infiltrado na manifestação dos grevistas. Um P-2 (denominação dos agentes secretos da PM). Espanto e indignação tomaram o lugar da comoção inicial. A verdade soou clara e cristalina: ainda se usam os métodos consagrados pela ditadura empresarial-militar, que dominou o Brasil por 21 anos, para espionar os movimentos sociais e organizações políticas.
Já houve denúncia semelhante no Rio Grande do Sul. Agora a mesma prática se desmascara em São Paulo. Onde mais? Nos dois casos citados, a infiltração se deu em movimentos de servidores públicos. Mas não seria de se espantar se fossem descobertos agentes infiltrados também nos movimentos sociais, como já ocorreu em uma marcha nacional do MST.
Isso geralmente é feito por governantes que não priorizam o diálogo na construção da convivência democrática com os movimentos sociais. A única linguagem que conhecem é a dos cassetetes e bombas de efeito moral. Bem, isso é usualmente uma prática das ditaduras. Quem viveu o período daqueles 21 anos de repressão política provavelmente conheceu a figura dos "dedos-duros": os civis a serviço dos órgãos de repressão, infiltrados no movimento estudantil, nos sindicatos, nas assembléias de trabalhadores e até nas missas e mesas de botecos onde se discutia mais do que futebol.
Quando o dedo-duro chegava, a mudança brusca de assunto era um código para sinalizar o perigo da espionagem. Geralmente eram pessoas afáveis, que se vestiam e se comportavam como os demais membros do grupo que espionavam. Não raramente tentavam induzir o grupo a discutir política, com comentários que pareciam inocentes sobre uma ou outra figura do governo. Presenciei certa vez o desmascaramento de um dedo-duro na universidade - o cara, com pinta de estudante, teve de passar em um silencioso e longo corredor polonês, debaixo de uma cusparada.
Pois é. O Brasil vive hoje um respiro democrático. Os tempos são de otimismo - não aquele falso otimismo da época do "milagre econômico" da década de 1970, quando o superministro Delfim Neto mandava e abusava, administrando os interesses da elite econômica, à custa do arrocho salarial, da miséria de milhões de brasileiros e do fenomenal endividamento externo.
O otimismo vivido hoje é genuíno, provocado pela percepção de que, pela primeira vez desde o fim da ditadura empresarial-militar, o Brasil está se tornando de TODOS os brasileiros. Devagar, com avanços, recuos, dribles e negaças. Com uma mídia raivosa a rosnar contra toda construção democrática, por mais insignificante que seja. Com uma elite econômica que escuda seu golpismo em um senado retrógrado e reacionário, onde se abrigam as carpideiras dos generais de pijama e os filhotes da ditadura. E com alguns governos estaduais que reprimem os trabalhadores usando gás pimenta, balas de borracha e muita paulada.
A ditadura empresarial-militar, que começou há exatos 46 anos, acabou. De forma muito conciliadora, como é costume entre nossos políticos, com uma lei de anistia para tentar garantir a impunidade dos responsáveis pelos descalabros que assolaram o país - tortura, morte, corrupção, concentração da renda e da terra. Agora falta acabar também com o entulho autoritário que deixou como herança e que persiste em alguns governos estaduais.
Amanhã, primeiro de abril, dia da mentira, ela faz aniversário. É preciso não esquecer...
Um comentário:
Passou batido na midia o aniversário da "redentora" que durou exatamente 21 anos. Esquecimento? Quem a viveu não esquece, seja de um lado seja de outro. Quem não se lembra dos slogans "este é um país que vai pra frente, uô, uô, uô" ou "Brasil, ame-o ou deixei-o". Enquanto outros países que viveram experiências trágicas e similares revolvem o passado para aprender com a história, no Brasil do faz de conta e da pacificação imposta vivemos o esquecimento deliberado e preservação cuidadosa e dissimulada das sementes do golpismo.
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