sábado, 13 de março de 2010

A rodovia da morte

Desde a década de 70 - por favor, não façam as contas! - viajamos pela BR 381, conhecida como "rodovia da morte". Vamos de Belo Horizonte até Governador Valadares, passando por Caeté, João Monlevade, Timóteo, Coronel Fabriciano e Ipatinga. São 310 quilômetros de uma estrada sinuosa, que sobe e desce várias serras e tem intenso tráfego de caminhões. Todo tipo de carga passa por ali, de grãos a maquinaria pesada, de carros zero km a alimentos perecíveis, de carvão a gado, de material de construção a galinhas, de turbinas gigantes a minério. Naqueles anos, a estrada não tinha acostamento: a gente tinha no máximo 50 metros para ultrapassar um caminhão. Havia uma média de três acidentes por quilômetro.

Daquela época para cá, vimos todo tipo de acidente nessa estrada. Ali se juntam todos os ingredientes da receita para acidentes fatais no trânsito: grande movimento de carros, carretas, caminhões, ônibus e vans, imperícia, imprudência, curvas acentuadas. Quando chove, os riscos, que já são altos, triplicam. Não é raro encontrar pessoas que tenham perdido parentes na "rodovia da morte". O trecho com maior número de mortes em acidentes fica na região de Caeté.

Os parentes dos mortos mobilizam-se para que seja tomada alguma providência de correção da estrada. Veja aqui. De preferência, que seja construída outra, porque a BR 381 tem traçado muito antigo. A imprensa da região clama pela duplicação, engrossando o coro dos políticos e das empreiteiras. Para esses, duplicar é garantir uma obra de longa duração e muito dinheiro dos cofres públicos circulando entre empresas e o financiamento - legal e ilegal - de campanhas políticas.

Viajar por ali é um teste de resistência física. A tensão é tão grande, a atenção tem de ser tão constante que a gente se cansa em dobro. A chegada é sempre acompanhada de dores nas costas e pescoço e a gente demora a pegar no sono, depois do estresse provocado pelo testemunho de tantos acidentes graves.

Uma particularidade dos acidentes que ocorrem na BR 381 é que, quase sempre, envolvem carretas e/ou caminhões. Em época de feriados prolongados, quando a mineirada pega a estrada, se houvesse proibição rigorosa do tráfego de cargas no primeiro e no último dias do feriadão, tenho certeza de que o número de acidentes seria bastante reduzido. Isso deveria valer também para o enorme número de "treminhões" que transportam madeira para a empresa de papel e celulose CENIBRA, no trecho entre Ipatinga e Belo Oriente.

O irônico é que corre paralelamente à BR 381 uma ferrovia, a Vitória-Minas, duplicada no trecho Itabira-Vitória, destinada exclusivamente ao transporte de minério de ferro pela Cia. Vale do Rio Doce. Li matéria de Bob Fernandes no Terra Magazine, dando conta de que, finalmente, há uma ação civil que questiona o monopólio da Vale sobre a ferrovia por onde transporta, até o litoral, o minério de ferro que exporta. Quem já viu sabe: são composições longuíssimas de vagões carregados; é muito grande o volume exportado. Mas não o suficiente para justificar o monopólio da estrada de ferro, cuja frequência de utilização está muito aquém do potencial de transporte de outras cargas e passageiros que ela pode incrementar.

Haverá brevemente, em Ipatinga, uma audiência de conciliação, na qual o promotor do Ministério Público de MG, Edmar Machado, reunirá representantes da Vale e da Agência Nacional de Transporte Terrestre - essa por "omissão" - com a autora da ação civil pública, a OnG Instituto Cidades. Explica o promotor que é inadmissível ter uma estrada que, só no ano passado, matou 130 pessoas, ao lado de uma ferrovia subutilizada, que poderia ser compartilhada para o transporte de outras cargas, aliviando assim o tráfego da BR 381.

A Vale, que foi vendida pela ninharia de R$ 1,5 bilhão, quando deixou de ser patrimônio do povo brasileiro, no governo FHC, e que se pagou somente com os lucros que obteve no primeiro ano de operação depois de privatizada, tem, como qualquer outra grande empresa, uma função social da qual não pode fugir. A ferrovia, por sua vez, é pública, mas está sob controle da mineradora desde 1997, sob a forma de Concessão do Serviço Público Federal de Transporte de Carga e Passageiros. Ora, se está subutilizada, funcionando muito aquém de sua capacidade, por que manter a concessão?

A Vale tem uma dívida para com o povo brasileiro. Podia começar a pagá-la democratizando o acesso à ferrovia Vitória-Minas.

3 comentários:

Gilson disse...

Última novidade da BR 381. Transformaram a rodovia nas proximidade de Ipatinga em canteiro de obras para a construção do gasoduto à sua margem. Consequencias: mais acidentes, atrasos e desconforto. O pior que ninguém reclama,só se fala no sonho da duplicação.

Anônimo disse...

Três perguntas incômodas:
1) quem autoriza a GASMIG a utilizar a pista da rodovia como canteiro de obras, provocando longas interrupções na congestionada BR 381?
2) Por que a Estrada de Ferro Vitória-Minas, pertencente à poderosa Vale, não incrementa o transporte de cargas em geral e de passageiros?
3) a EFVM/Vale está cumprindo o contrato de concessão?

Bel Brunacci disse...

Prezado comentarista,
Suas perguntas são mais do que pertinentes e poderiam ser enviadas ao promotor que está cuidando da ação civil pública. Com certeza, trata-se de uma boa contribuição para o processo. Abs.