sábado, 12 de dezembro de 2009

Sobre os acontecimentos recentes em Brasília.

Preparem-se, que o texto é longo:

UM MENTIROSO E SEU ESQUEMÃO

Provocam alguma reflexão, além de muita indignação, os acontecimentos das últimas semanas em Brasília, com o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, acossado por denúncias de corrupção, e as imagens da repressão das manifestações pelo seu impeachment por parte do Batalhão de Cavalaria da Polícia Militar do DF.

Não se trata de denúncias em que se tem a palavra de um contra a de outro. Há cenas explícitas de distribuição de dinheiro vivo – e muitas – gravadas por um ex-secretário do governo, com autorização da Justiça, no bojo de uma investigação realizada pela Polícia Federal. Estão envolvidos, de acordo com os diálogos e imagens dessas cenas gravadas, além do governador, também o vice-governador, Paulo Octávio, e deputados distritais, a começar pelo presidente da Câmara Legislativa do DF e pelo então corregedor daquela casa, entre outros menos visíveis, mas não menos importantes líderes partidários na vida política do DF, como o secretário de saúde, Augusto Carvalho, e seu subsecretário, Fernando Antunes. Junte-se a esse bolo a decana Eurides Brito, toda cautelosa a trancar a porta do escritório antes colocar a bufunfa na bolsa. E outros, mais outros, já revelados nas gravações e ainda por revelar...

É um escândalo de grande monta, não resta dúvida, tanto do ponto de vista financeiro, posto que a distribuição de dinheiro já vem de alguns anos, quanto do ponto de vista ético, pela desfaçatez das declarações públicas dos denunciados.

Após sumiço de alguns dias, seguido de seu pedido de desligamento do DEM para evitar a expulsão, Arruda agora deixa claro que articula sua base de apoio na Câmara Legislativa para evitar o impeachment – já são oito os pedidos protocolados naquela casa.

Assim, exonerou de seus cargos no governo dois secretários para que voltem â Câmara: Eliana Pedrosa – já investigada por envolvimento no escândalo da terceirização do cemitério de Brasília – e Paulo Roriz.

Os deputados denunciados, em vez de se declararem impedidos de continuar exercendo seus mandatos e, mais, de votar o impedimento do governador de cujo esquema de corrupção participaram, voltaram serelepes a ocupar suas cadeiras naquela casa legislativa, após breve e silencioso sumiço, prontos para votar de acordo com a orientação do governador. Já que provar inocência nessas acusações, tão clara e cristalinamente provadas, será difícil, trata-se agora de unificar o discurso de que não houve crime de corrupção, mas apenas arrecadação de dinheiro para a campanha política que se aproxima; por isso circulou tanto dinheiro vivo de mão em mão, com direito até ao ritual de oração para agradecimento da rica dádiva. Mais uma vez se anuncia, no âmbito dos poderes locais, a grande disposição para a fabricação de enorme e indigesta pizza! Ou panetone?...

Perfil de um mentiroso compulsivo

No meio de tudo isso, vale a pena parar um momento para refletir sobre o perfil desse senhor, José Roberto Arruda, especialista em espetaculares performances midiáticas, laboriosamente calculadas para reconstruir e reafirmar sua imagem de bom moço, seriamente danificada após o conhecido episódio de violação do painel de votações do Senado Federal, em parceria com o senador Antonio Carlos Magalhães, à época em que esse bom moço era líder do governo FHC naquela casa legislativa.

Naquela ocasião, Arruda mentiu e sustentou até o último minuto sua mentira. Foi à tribuna do Senado, tentou transferir a culpa a servidores da Casa, chorou, jurou, só faltou espernear. Pode ter comovido alguns de seus pares, mas, alertado por ACM de que a cassação seria inevitável, dada a transparência de seu comportamento delinquente – muito mais que simples quebra de decoro parlamentar –, antecipou-se e apresentou seu pedido de renúncia ao cargo de senador.

Mas não se afastou da vida política. Sem lugar no PSDB das vestais de fachada, bandeou-se para o então PFL – hoje autodenominado Democratas, em vã tentativa de apagar a história de sua origem na ditadura militar.

No trabalho de reconstrução da imagem pública dedicou-se a arregimentar, imagine-se com que métodos, cabos eleitorais na periferia de Brasília. Esmerou-se o atual governador em agradar a classe média do Plano Piloto, especialmente os mais jovens. Entre suas conquistas, sobressai o número de turmas de formandos que apadrinhou, inclusive na mesma Universidade na qual estudam hoje os mesmos estudantes que fazem manifestações de repúdio ao seu governo. Certa vez, ao questionar um formando da turma de Ciência Política, sobre o porquê de Arruda ter sido convidado para paraninfo, recebi a seguinte resposta: “Ele paga a festa e o churrasco”. Essa imagem reconstruída foi endossada alegremente pela mídia local, que via no ex-senador o candidato ideal para enfrentar Geraldo Magela, do PT, nas eleições do Distrito Federal.

Elegeu-se em 2006 o único governador do DEM. Governou até duas semanas atrás com o irrestrito apoio da mídia local: jornais e emissoras de TV raramente apresentam matérias com críticas a Arruda; quando o fazem, forçados pela alta visibilidade de algum problema de sua administração, ouvem e reproduzem enfaticamente a versão governamental, em atitude cúmplice, minimizando sua responsabilidade. Basta lembrar que, quando estourou este último escândalo, não houve sequer uma chamada de primeira página no Correio Braziliense, que apenas iniciou timidamente sua cobertura dois dias após a divulgação das gravações, quando não havia mais como justificar seu silêncio.

Lembro que Arruda, em um programa do horário político de sua campanha para governador, abordou o assunto da violação do painel do Senado. Chorou, reconheceu que havia cometido um erro e pediu perdão à população do Distrito Federal, jurando que havia se regenerado, que havia aprendido a ser humilde após o episódio. Prometeu que a palavra de ordem de seu governo seria “honestidade”. Assim amealhou, com apoio maciço da mídia local e de generosas doações de campanha – declaradas e não declaradas, sabe-se hoje –, a maioria dos votos dos eleitores, que lhe deram a implorada “segunda chance”.

Flagrado novamente em “desvio ético” – eufemismo que começa a aparecer nas colunas de alguns jornalistas –, Arruda volta a mentir. Mente tanto e com tal sinceridade que chega a acreditar nas mentiras que conta, com os olhos marejados. No discurso de desligamento do DEM, atribui a adversários políticos o trampo em que se meteu, pois o querem fora da disputa do governo em 2010. Mais uma vez põe-se a reconstruir com afinco a imagem de bom moço. Esconde o favorecimento de seu governo à empresa que tem como sócio um filho seu; esconde o cargo comissionado de sua filha, de alto salário, no Judiciário do DF, na tentativa de esconder a rede de favores que estabeleceu com “amigos” nos tribunais. A reconstrução de sua imagem só se pode efetivar pelo ato recorrente de esconder fatos e informações, acostumado que está a esconder também o dinheiro que recebeu ao longo desses anos e o aumento desproporcional de seu patrimônio declarado.

No caso do governador do DEM, vale a máxima, com pequena alteração: “quem sai aos seus não se regenera.” Arruda pensa que pode continuar a mentir, pois quem acredita nas próprias mentiras pensa que não está mentindo. Cabe ao cidadão do Distrito Federal decidir se acredita ou não em suas mentiras: se o deixa quietinho no cargo, escondendo impunemente o que há para se esconder, ou se vai para as ruas, gritando de peito aberto pela sua cassação e de todos os que participaram com ele de mais um “esquemão”.



Um comentário:

Anônimo disse...

Bel,

Só espero que com tudo isso, Roriz não seja eleito. Ando afastada das manifestações, que saudade !!! O grito preso na garganta - FORA ARRUDA !!!
Beijo grande,
Sonia.