terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O sonho americano e o quintal dos EUA

Aproveitei o feriadão do Carnaval para ver alguns filmes, além de Garage Olimpo, que já comentei aqui.

Um deles chama-se
Foi apenas um sonho, mas o título em português simplesmente "entrega" o final da história. O original chama-se Revolutionary Road (2008, EUA, Direção: Sam Mendes. Elenco: Kate Winslet, Leonardo di Caprio, Kathy Bates. 119 minutos). É uma adaptação do romance de mesmo nome, de Richard Yates, de 1961.


Trata-se da história de um jovem casal, na década de 50. Era o início do sonho americano, da construção do
american way of life, com o avivamento da economia dos EUA e a promessa eufórica de qualidade de vida para todos os americanos. Por qualidade de vida entenda-se uma casa no subúrbio da cidade grande e todos os bens de consumo que a recheiam, para o bem estar da mulher e dos filhos, enquanto o marido passa o dia fora, no trabalho em um dos escritórios do centro.


O vazio e a falta de sentido invadem a relação do casal, inicialmente com a frustração do sonho da mulher de ser atriz de teatro. Depois com a insatisfação do marido com as atividades repetitivas e inócuas da empresa em que trabalha. Como reação a esse vazio, constroem o sonho de vender tudo o que possuem e se mudar para Paris. E vivem intensamente esse sonho, sem perceber que voltaram a ser felizes e passaram a incomodar as pessoas com quem convivem.

Bem. Já perceberam por que o título em português "entrega" o desfecho da história? Mesmo assim vale a pena ver, porque o final é uma bofetada. Imaginem o impacto desse romance, quando foi lançado nos EUA, no auge da euforia com o sonho americano...

Mas, enquanto o romance de Richard Yates fazia a crítica do
american way of life lá nos EUA, aqui eram as ações golpistas dos diplomatas e agentes secretos americanos que provocavam altíssimo impacto. Era a época das conspirações para a derrubada dos governos democráticos da América Latina e a instalação de ditaduras militares em todo o continente, que generalizariam as perseguições políticas, a tortura e o assassinato dos opositores.

E é desse contexto histórico que trata o filme de Konstantinos Costa-Gavras,
Estado de Sítio, produzido em 1973 e lançado em DVD em 2005 (Etat de Siège. Itália, Alemanha, França. Direção: Costa-Gavras. Elenco: Yves Montand, Jaques Weber, Renato Salvatori e outros. 119 minutos).

A história gira em torno do sequestro do Cônsul do Brasil em Montevidéu, juntamente com o do agente americano Dan Mitrione, que culmina na morte deste último pelo movimento guerrilheiro Tupamaros. Os diálogos do agente com seus carcereiros são elucidadores do modo como agiam as centenas de americanos espalhados pela América Latina nas décadas de 60 e 70, principalmente.

É sabido que esse agente era professor de "técnicas de interrogatório" - leia-se
tortura - e, antes de ir para Montevidéu, trabalhou para os órgãos de repressão da ditadura empresarial-militar brasileira, em Belo Horizonte, onde, até há pouco tempo, era nome de rua.


Costa-Gavras estava pesquisando a história de um embaixador americano, John Peurifoy, que trabalhara ativamente no golpe de estado que instalou a ditadura grega. No meio das pesquisas, topou com o nome de Dan Mitrione e menções à USAID - United States Agency for the International Development. Resolveu então ir ao Uruguai e, conhecendo a história, achou-a mais interessante para o filme do que a do embaixador americano. O resultado disso é o painel das ações das ditaduras latino-americanas, com destaque para Uruguai e Brasil, que o filme nos oferece.

É preocupante que o tempo esteja passando sem que o Brasil revolva os entulhos do autoritarismo da ditadura empresarial-militar. As novas gerações sequer imaginam o que é viver sob o domínio do terrorismo de estado, como viveram brasileiros, uruguaios, argentinos, chilenos e todos os outros países que sentiram o peso dos tacões dos coturnos. A diferença é que em alguns deles os responsáveis são apontados à luz do dia. Aqui, muitos deles hoje estão aí, com máscaras de democratas.

É preciso não esquecer!

Um comentário:

Luciana disse...

Oi Bel,

Realmente Revolutionary Road é um ótimo filme, sem considerar as atuações fantásticas do Leonardo e da Kate. Eu gostei muito. E nao sabia desse titulo em portugues... Nao dá pra entender essas traduções que já contam o final do fime...

Obrigada pelas outras dicas de filmes. E faço votos que sua voz ecoe e um dia essas mascaras vergonhosas venham ao chao...

Abraços!