terça-feira, 20 de julho de 2010

O fim da velha mídia

Quando passo muito tempo sem escrever geralmente há duas razões: perplexidade ou tristeza. Mas pode ser que as duas ocorram simultaneamente, no meio do turbilhão que é o cotidiano com suas 684 tarefas.

Ando triste porque uma grande amiga está doente. Penso nela diariamente, várias vezes ao dia. Isso me dispersa, me dá vontade de fugir do dia-a-dia, ficar num canto, quieta, esperando notícias que melhorem a cor do mundo...

Mas também tenho andado perplexa. Prometi alguns posts atrás que escreveria sobre o fim da velha mídia no Brasil. Acho que chegou a hora, tendo em vista a notícia de que o Jornal do Brasil suspendeu sua tiragem impressa, passando a existir apenas na web. Veja aqui como a Falha de São Paulo divulgou a matéria. Pobres cariocas! Agora eles tem apenas O Globo... (não que o JB fosse um excelente jornal, bem entendido)

Isso pode ser um sintoma e um sinal. Algum tempo atrás analisei os órgãos de imprensa brasileiros como uma associação mafiosa-partidária. E o que tenho lido e ouvido confirma essa impressão. No momento em que se inicia no país mais uma campanha eleitoral, nossa imprensa vela verdades e desvela-se para o leitor/espectador como pura tentativa de manipulação.

Penso que seria mais honesto se todos os jornais, revistas, emissoras de rádio e canais de televisão explicitassem para o leitor/espectador sua preferência por este ou aquele candidato, embasando seus argumentos em uma análise criteriosa do perfil do escolhido. Mas uma análise séria, não a repetição de clichês e de preconceitos.

Que eu saiba, apenas uma revista semanal teve a coragem de fazer isso. E foi logo acusada de querer se beneficiar em um eventual governo do partido que diz apoiar. Mas confesso que me sinto mais confortável lendo essa revista, que assume claramente uma posição, do que outras que, sob o manto de uma fictícia imparcialidade, enganam seus leitores.

Aprendi por aí que a imparcialidade no jornalismo é um mito. Não se trata propriamente de uma novidade, para quem viveu a história recente do Brasil - e olhem que não sou tão velha assim! Mas me lembro perfeitamente da primeira eleição direta para presidente depois da ditadura empresarial-militar que nos sufocou por longos anos. Lembro-me claramente como a imprensa, capitaneada pelas Organizações Globo, construiu e vendeu como sabonete a imagem de um caçador de marajás, vindo das plagas alagoanas. E de como um debate entre os dois candidatos a presidente, no segundo turno, foi editado para ir ao ar no JN na véspera da eleição, favorecendo aquele que, depois de empossado e de ter apregoado que tinha "aquilo roxo", protagonizaria o primeiro caso de impeachment da história republicana brasileira. O diabo é que me lembro disso cristalinamente! E de vez em quando revejo essa história, como aqui (esse documentário está dividido em 10 partes, todas muito interessantes):



É duro ter memória, sabem? Talvez fosse mais cômodo a gente esquecer o que ficou para trás, seguir vivendo feliz, com a mente entorpecida pelas telenovelas, pelos sonhos de consumo, pelas reportagens que escurecem com a nódoa do ódio de classe a realidade. Talvez fosse mais fácil alienar-se, dar uma guinada para o conservadorismo que ignora a pobreza, adota o discurso do mérito e da competência; talvez fosse mais doce olhar o abismo social que divide as classes no Brasil como resultado da falta de esforço, da secular preguiça dos brasileiros. E tachar os militantes do MST de baderneiros. Talvez fosse mais fácil ignorar que este é um povo trabalhador, que deseja apenas ter acesso a uma vida digna, com educação de qualidade, condições de moradia, de saúde, de mobilidade, de segurança alimentar. E que este é um país que reúne todas as condições físicas e materiais de proporcionar isso a seus cidadãos.

Um brasileiro "preguiçoso"

Analisando a mídia de hoje a gente entende por que o Brasil demorou tanto tempo a tomar o rumo das mudanças que provocaram transformações visíveis no cotidiano da maioria da população. Os mesmos jornais, revistas, estações de rádio e televisão estão aí, a repetirem o tipo de "jornalismo" que faziam há dez anos: comprometido com os poderosos, forjando notícias que não resistem a uma confrontação com a realidade, assassinando reputações daqueles que contrariam seus interesses, apoiando veladamente seus candidatos nas próximas eleições... Posso citar muitos exemplos, desde uma certa ficha policial falsa até "reportagens" alertando para uma eventual queda do valor das ações da Petrobrás.

O jornalismo de esgoto que hoje se pratica abundantemente no Brasil não se preocupa com as consequências: cria pânico para provocar corridas massivas a postos de vacinação; preconiza fracassos em todas as empreitadas que o governo tem pela frente, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016; defende escancaradamente interesses estrangeiros na discussão sobre a exploração do petróleo do pré-sal; debocha de programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida; é maledicente e difamador. Mantém "especialistas" de plantão para dar entrevistas que desqualificam as políticas públicas em curso no Brasil. Enfim, é um "jornalismo" que torce contra o Brasil.

Por isso penso que está próximo o fim da velha mídia, essa que hoje identificamos como sabotadora e golpista, afinada com os interesses udenistas que ainda impregnam a ideologia da elite brasileira, vendida e vendilhona (se é que existe essa palavra....), com o apoio inestimável de uma Justiça que privilegia a visão de mundo da classe dominante: o sagrado direito à propriedade privada, em detrimento do direito da maioria à justiça social.

Mas voltemos ao sintoma e ao sinal. O sintoma nos mostra que o jornalismo está em crise no Brasil, com o surgimento de novas mídias, notadamente as que utilizam a internet e se valem das redes sociais. O sinal nos dá a certeza de que os brasileiros, à medida que tem acesso a essas novas mídias, tendem a dispensar o conservadorismo caduco da velha mídia, abrindo mão primeiramente da leitura das versões impressas. Chegará o dia em que os canais de televisão públicos substituirão a também caduca programação das emissoras tradicionais.

Um comentário:

Luciana disse...

Ei querida Bel,

Você está escrevendo melhor que nunca. Amo como você sempre coloca o dedo na ferida e de forma tão articulada e envolvente.

Que palavras como as suas se ergam cada vez em meio a todo esse jornalismo de esgoto, como vc muito bem descreveu. Imagina que um dia eu já cheguei a pensar que isso é que era jornalismo, sem perceber toda a manipulação e interesses por de trás de cada notícia sensacionalista e maldosa.

Enfim, minha querida, que você ganhe cada vez mais voz nesse nosso país tão rico e cheio de potencial.

Beijos pra você e melhoras pra sua amiga, de coração.

Lu