domingo, 17 de outubro de 2010

A política no século XXI

Quando adolescente, eu costumava fantasiar sobre como seria a vida no século XXI. Em um mundo tecnologicamente desenvolvido, eu pensava que não haveria mais pobreza, nem religião, nem concentração de riqueza e de terra, nem falta de pão e trabalho. Mas já faz muito tempo que eu tinha essas fantasias e hoje vejo que era uma adolescente com alguma fé no ser humano e naquilo que lhe dá sua qualidade intrínseca: a humanidade.

O tempo se encarregou de desmentir minhas expectativas e me obrigar a colocar os pés no chão assustador da realidade, ainda muito jovem, quando me dei conta de estar vivendo com toda a intensidade os tempos da ditadura empresarial-militar que, pela supressão das liberdades e direitos individuais e coletivos, dominou o Brasil de 1964 a 1985.

Qualquer pessoa com um mínimo de independência intelectual não hesitaria em se posicionar contra o regime empresarial-militar, em lutar pelo retorno à democracia, em apoiar os movimentos populares duramente reprimidos quando da derrubada do presidente João Goulart. Assim o fizeram milhares de estudantes secundaristas e universitários, levados pela violência do regime a adotar a luta armada. Era uma guerra, sim, o que estávamos vivendo. Guerra muito desigual, porque o lado opressor contava com a cumplicidade do capital e dos meios de comunicação. Basta dizer que as organizações Globo e Folha da Tarde (hoje Folha de São Paulo) foram notáveis colaboradoras dos militares, contribuindo para fixar no imaginário popular a imagem dos opositores como "guerrilheiros", "terroristas" e "bandidos".

Hoje vejo jovens que sequer imaginam o que é viver sob uma ditadura repetindo nas redes sociais da internet os bordões daqueles que oprimiram o povo brasileiro por duas décadas. Isso me deixa perplexa! No jogo político-eleitoral que vivenciamos, o vocabulário repressivo dos militares foi reativado nos discursos, nos artigos de jornais e nos noticiários televisivos. O quadro é claro: há de um lado o candidato dos conservadores, que pugna contra o desenvolvimento brasileiro dos últimos oito anos; de outro, a candidata que representa a manutenção e a continuidade das políticas públicas que possibilitaram esse desenvolvimento.

Neste momento importante da vida nacional, que é o segundo turno das eleições, saem das sombras atores políticos inimagináveis. As igrejas adquirem dimensão inusitada, em pleno século XXI. As acusações irresponsáveis afloram por todos os lados. Esquecem os acusadores que não estamos elegendo o líder de um estado autocrático, mas o chefe do poder executivo que deverá governar em sintonia com os demais poderes da república. Jamais um presidente ou presidenta poderá impor políticas públicas sem o respaldo desses outros poderes.

Mas não. Os arcebispos/bispos e pastores ultraconservadores preferem abusar da ignorância dos fiéis a esclarecer-lhes que não vivemos em um estado teocrático e que, durante suas escolhas, estão exercendo o mais valioso dos poderes que sua condição humana lhes permite exercer: o livre-arbítrio. Preferem embotar a mente dos que creem nos ensinamentos religiosos com o veneno do preconceito mal disfarçado de pregação religiosa.

E devagarinho, depois que grande estrago já está feito, vamos descobrindo as ligações perigosas entre as religiões e os políticos. Assim é que o pastor Malafaia surge como alvo da promessa de concessão de um canal de TV só para suas pregações; assim é que o arcebispo Fergonzini, de Guarulhos, é desmascarado por ter como financiadora da impressão de seus panfletos caluniosos uma organização integralista, ou neofascista, usando uma gráfica cuja proprietária é filiada ao mesmo partido de um dos candidatos. E mais a pergunta que não quer calar: quem financia toda essa baixaria?

Pois é. Estamos vivendo um processo político-eleitoral no século XXI cujo maior mérito é desnudar o caráter medieval que continua presidindo as relações política-igreja(s) no Brasil contemporâneo. É uma arena em que a sinceridade não tem vez e leva até os ateus mais notórios a fingirem que são candidatos ao papado e não à presidência da república. Enquanto isso a mídia acumpliciada fecha os olhos e finge não existir uma perguntinha básica, a ser respondida por um dos candidatos: quem é Paulo (Preto) Sousa e o que ele sabe?

Nunca disfarcei neste espaço a minha posição política. Todos os meus 29 leitores inscritos e também os outros não inscritos sabem que voto em Dilma Rousseff porque, neste momento, é ela que representa a continuidade do melhor governo que o Brasil já teve, o governo mais fiscalizado pela mídia, o mais criticado, o mais caluniado. Eleita, Dilma enfrentará as mesmas críticas e calúnias, agravadas pelo fato de ser mulher.


Não tenho mais ilusões. O Brasil tem demonstrado que ainda não tirou o pé do passado escravista, racista e classista. Mas temos que lutar - e muito - para termos o verdadeiro estado laico. Nenhuma religião tem propriedade exclusiva do cristianismo. É preciso não confundir a instituição "igreja(s)" com os ensinamentos que ela tão habilmente deturpa, em prejuízo do povo brasileiro.

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